17 novembro 2007

Foi assim, o meu fim-de-semana


O caminho faz-se por um estado de alma em terra batida.
O Sol envergonha-se por não comparecer à nossa chegada ao monte perto de Beringel, onde uma casa branca debruada de azul nos aguarda.
A receber-nos, a amiga a toda a prova. E uma beleza de paisagem abraçando a casa.
Vizinhos, só os cavalos,as ovelhas, os patos, galinhas e outros animais. É tudo o que eu imaginava, sendo ainda muito mais do que idealizava. É a vontade de criar raiz aqui, o impulso de abandonar definitivamente a confusão e fundir-me nesta paz.
Respirar fundo e gravar na memória momentos de sossego e de Natureza.
O alpendre convida a um almoço grelhado, horizonte alargado ao infinito. Saboreia-se o porco preto e a companhia, amalgam-se planos para a tarde.
E, quando esta se anuncia, é tempo de pular a cerca. Entrar nos domínios das ovelhas, cuidadosamente. É que, enquanto procuramos as bebés, atentamos ao trilho percorrido; não queremos esmagar os ovos ocasionais que as galinhas esquecem por aí.
A lição sobre a expressão "carneirada" é uma aula prática e os ovos, esses, exibem-se, prontos a levar para casa.
Não há limite para a urgência de explorar o corpo desta terra, fértil de tranquilidade. Paredes meias com a casa, os equídeos reclamam mimos. Cumprimentam os forasteiros e saboreiam, pouco depois, cenouras oferecidas por mãos infantis. A pequenita quer entrar na esfera deles, agarrá-los.
O terreno é pródigo em matéria prima e alonga-se até onde os nossos olhos se estendem.
A curiosidade urbana conduz-nos ao encontro dos porcos e das cabras, o Vasco sentindo-se incomodado. A irmã, pelo contrário, exibe o tradicional interesse pelos animais.
A anfitriã nada deixa ao acaso; aliás, quem entra em casa apercebe-se que os pormenores não são descurados, embora o espírito da casa não seja de perfeccionismo, mas de funcionalidade, como convém.
Uma porquinha de Beja aguarda o nosso paladar, secundada por trouxas de ovos ebolo de laranja; laranjas e diospiros são presente da terra.
Na almofada de cama, o bombom apela ao descanso do corpo, não do paladar. Um raminho de margaridas contribui para o ambiente acolhedor do quarto e da casa.
O serão é passado na cozinha, moderna mas rústica, de lareira a acompanhar a conversa fluida e a leitura e escrita, iluminadas pelo fogo comum à lareira e às velas. Aqui, o tempo é de calma, amizade e partilha. A electricidade relegada para o aquecimento dos quartos e a ligação do computador em que inicio este relato apaixonado.
A manhã dá os bons-dias com a profundidade do silêncio, apenas quebrado pelo nosso assomo ao alpendre, na verificação do consumo dos restos por parte dos gatos que vadiam por aqui.
Há que aproveitar o que o campo nos oferece; assim, partimos à recolha de azeitonas, nozes e amêndoas, explicando a flora ao meu filho. Uma represa pontua de brilho o trilho por onde passamos.
As pedrinhas rolantes conferem musicalidade ao passeio e uma ou outra rasteira ocasional aos pequenos.
Encho os pulmões enquanto saboreio o momento, com a sensação de que poderia arrastá-lo indefinidamente sem dele me saciar.
Os estômagos caprichosos conduzem-nos de volta a casa. O almoço é pontuado por ideias, sugestões de passeios para a tarde e considerações sobre as localidades das imediações.
Decidimos, por fim, uma ida a local ainda desconhecido, ao encontro da água: Alqueva. E saímos, gravando na memória e no memory key a imagem deste reduto tranquilo.
O percurso é oportunidade para queimar os últimos cartuchos duma amizade à distância.
E fico presa à vontade de regressar, não só para desfrutar da rusticidade duma casinha linda, mas também para fotografar as paisagens alentejanas de amontoados brancos de construções térreas e de árvores pontuais ou conjuntas, emolduradas num plano ora azul e verde ora dourado-terra.
E chegamos à imensidão da planura líquida. Quebrada aqui e ali por harmoniosas ilhas no leito da barragem. Do lado posto, a estrutura técnica, pesada e eficiente. E, no exterior dos seus limites, a beleza da vegetação contrasta o colorido do meu deslumbramento.
Foi neste estado, meio poético meio saudoso, que me despedi da mais maravilhosa anfitriã que conheço, a minha amiga que me religou ao Alentejo materno.
No regresso, tentei registar na memória visual a magia do Sol de Novembro rasgando de tons rosados um céu amarelo pintado de nuvens azuis. E idealizei a escrita do restante registo deste fim-de-semana onírico bem real, enquanto a música atapetava a estrada de retorno.






17 comentários:

Alexandre disse...

Que texto saboroso e que fotos deliciosas, encantadoras - o Alentejo é lindo! Em qualquer altura do ano, daria tudo para viver numa casinha branca no cimo de um monte no Alentejo rodeado de animais e sobreiros... como não vivo, fico com as tuas imagens - em especial a lareira - e vou recolher-me à minha pequenez de pessoa da cidade... que sonha com o campo!!!

Muitos beijinhos!!!

BlueVelvet disse...

Diria que faço minhas as palavras do Alexandre, só com um pequeno reparo, que me irás desculpar querida amiga, mas já é defeito de formação e postura:
No meio de tanta paz e encontro com os animais, era preciso comer o pobre do porquinho preto?
Não te zangues, mas não resisto.
Lindas fotografias e deliciosa descrição.
Com a vontade que todos temos de deixar a cidade, que tal fazermos um monte comunitário e abalarmos?
Eu ofereço-me para cozinhar...vegetariano!
Muitos beijinhos

Sei que existes disse...

Que maravilha!
Beijo grande

Anónimo disse...

O local é um espanto (como todo o Baixo Alentejo)a "dona da casa" é uma simpátia mas tanta paz e tranquilidade é de mais.
Eu devo ser do contra, já vivi na cidade e agora vivo no interior, não no campo mas muito parecido com tal. E estou desejosa de voltar para a cidade.... que saudades... de tudo e mais alguma coisa!

Elvira Carvalho disse...

Fotos lindas,texto maravilhoso, a fazer pensar no paraíso biblico.
Um abraço

A OUTRA disse...

Ainda bem que esse fim de semana foi assim tão bom.
Não é Maria pois não?
No entanto neste Portugal há muitas Marias e as Marias são todas as mulheres do Mundo, pode fazer parte da lista.
Bj

Maria disse...

Falaste de Beringel. Aí, tão pertinho de São Brissos. Um monte que me deixa umas saudades!
Mas um dia ainda te falo dele.
Beijo
Maria

Alexandre disse...

Beijinhos, obrigado pela presença!

Muitos beijinhos!!!

De Amor e de Terra disse...

Embora eu só tenha estado no Alentejo esporadicamente e de passagem, creio que o sentimento de Amor pelo campo é igual em todos os lugares; daí dizer que tenho saudades da lareira, do convívio próximo com os animais e com o verde (e as outras cores, evidentemente) juntinho a mim, à distância do toque...
Que saudade!!!às vezes chega a doer!

Beijos e obrigada pela partilha.

Maria Mamede

A OUTRA disse...

Olá!...
Porque não procuras?
Quem procura encontra... por vezes não.
Bj

Carminda Pinho disse...

Mas que grande fim de semana...com calma...

Beijos

Elvira Carvalho disse...

Hoje distribuição de mimos aos amigos. Só não aceita quem não fôr amigo.
Um abraço

Pena disse...

Minha Amiga:
De certeza um lugar fascínante e de deslumbre.
Atitude vivenciada com um encanto descritivo imenso e uma emoção determinada e arrebatadora.
Com sinceridade, adorei!
Um Bem-Haja enorme de talento e pelo belo fluir da pena que jorra maravilhosamente de si.
Abraço amigo de muita estima e encanto.
Procurarei regressar sempre.
Obrigado pela visita terna e cordial.
Respeitosamente.

pena

Isamar disse...

Mas por onde tenho eu andado que só agora li este post de uma beleza indescritível? Amiga, esta narrativa, acompanhada de uma fabulosa descrição bem podia fazer parte de um livro. Um post que tomo como um mimo acabadinho de receber. Escreves com tal sensibilidade que sinto estalar algo no coração quando te leio. Amassas sentimentos, adicionas-lhes cores, aromas e o produto final é de sonho.
Só te posso oferecer beijinhos mas mereces muito, muito mais. Que a vida to dê porque a ti, como ser humano,apinharam-te de "doçarias".

Adoro-te!

Paulo disse...

Lugares a Sul....esse deserto onde o pranto ecoa...na planície...
Há que calcorrear pelos campos fora em "cabra", para sentir o quotidiano envelhecido de sedes antigas..
É Além Tejo...lugares de ausencia..vivências mouriscas desencontros...de "arco-íris".
É ai que se sonha levado pelo grito dos desatinos das grandes cidades....que, desalmadamente, nos "engolem" sem apelo nem agravo...
É o Sul....Além Tejo...
Beijo

Vieira Calado disse...

Que inveja!
Desculpe...
Cumprimentos

Anónimo disse...

Gostei desta descrição maravilhosa!

Beijos

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