25 abril 2017

O "Escrito a Quente" completa hoje dez anos

Este foi o primeiro texto que nele publiquei:

"Abril é o mês da liberdade. O mês que sempre associarei ao meu pai. O mundo ganhou, num Abril distante, um dos seres humanos mais críticos que por cá passaram e perdeu, também neste mês, sessenta e nove anos depois, um auto-didacta coerente, determinado e carismático, cuja maior preocupação foi transmitir-me valores importantes.
Este blogue nasceu agora, no dia 25 de Abril, porque a data me inspira e me liga àquele que pretendo, de certa forma, homenagear hoje: o meu pai.
Ouço a "Grândola vila morena" e emociono-me. Neste momento, um turbilhão de recordações traz-mo de volta e ele sugere-me como hei-de dar ao meu filho uma ideia do que foi o 25 de Abril.
Desde a minha infância que a palvra "liberdade" tem, para mim, um sentido tão emotivo quanto político, já que o meu pai me incutiu a liberdade não só como forma de viver, mas também como um direito que se conquista como indivíduo e se defende enquanto povo que por ela teve de lutar.
Para os meus filhos, terá o valor que eles lhe conferirem ao longo das suas vidas. Mas cedo começarei a explicar-lhes, de forma simples e clara, o que é ser livre e que o dia de hoje celebra a liberdade. Sem entrar na esfera política, que só compreenderão quando a idade for um pouco mais madura. Mas associando-lhe um cravo vermelho."


17 abril 2017

80 anos, já não comemoramos...

O meu pai foi um Homem com H maiúsculo. Criado por uma mãe sozinha, que trabalhava também fora de casa e cantarolava os seus fados favoritos. Essa avó que não conheci criou um filho que soube ser pai sem ter conhecido o seu próprio pai. Fez dele um homem que soube ser um exemplo de sageza.
Íntegro como poucos ousam ser (perdeu a oportunidade duma vida por não esconder a sua ideologia política), ensinou-me os melhores valores, que espero ir conseguindo honrar.
Não teve quem lhe amaciasse o caminho. Cedo largou a escola e começou a trabalhar, consertando guarda-chuvas.
Colmatou a falta de estudos com um forte temperamento auto-didacta. Leu muito, aprendeu sobre diversas áreas e ainda não era adulto quando começou a escrever críticas para os jornais. Nunca parou de ter um papel activo na sociedade e foi isso que me transmitiu.
Ensinou-me que, se é aos doze anos que a injustiça se me apresenta, é aos doze que eu devo encará-la e tratar de me bater por justiça. Sozinha, que tem muito mais impacto que com um adulto por trás. E foi com os meus meios que passei a enfrentar tudo.
Incentivou-me a ser a melhor (não posso dizer que o tenha conseguido, mas ficou a lição). A não desistir. A batalhar pelas minhas convicções e a saber questionar tudo quanto me quisessem fazer crer. A não esperar palmadinhas nas costas e a não demostrar fraquezas. Recusava-se a elogiar-me directamente, embora eu saiba que me elogiava quando falava com outros.
Sonhava viver numa biblioteca. O máximo que conseguiu foi reunir tantos livros em casa que a minha mãe receava que o escritório caísse sobre o vizinho. Resolvia as palavras cruzadas do jornal, sempre. Mesmo as que traziam as quadrículas pretas por preencher.
Deixou-me a tolerância, o brio e temeridade. Deixou-me, sobretudo, um orgulho indescritível por ter sido meu pai.
Hoje, faria 80 anos e eu não tenho espaço suficiente cá dentro para acomodar as saudades. Este dia seria bem melhor se, em vez dum vazio que as boas lembranças não chegam a colmatar, ele cá estivesse e pudéssemos comemora-lo em família.

Assim, tenho de me limitar a homenageá-lo como sei. Com palavras. Afinal, boa parte do legado que me deixou.

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