29 março 2018

Uma semana


Foi há uma semana. Dia 22, como o do seu nascimento.
Tenho cada instante desse dia gravado na memória, para sempre; de tão intenso, de tão triste.
Um autêntico terramoto, ficar sem pai nem mãe. E sem irmãos com quem partilhar a dor.
Ficam as lembranças. E nestes momentos pomos de parte as más. Não que as pessoas que amamos se tornem santas, mas porque o amor é selectivo e escolhe de cada um o melhor. Tal como em vida nos faz ultrapassar as dissidências, as falhas de comunicação, o que de menos perfeito possa ter havido.
Vivo dias de dor e “flashes”, mas com uma ligeira satisfação por ter feito tudo durante a doença, tal como fiz tudo quanto pude ao longo da vida. A minha mãe conhecia os meus amigos, estava connosco em cada ocasião especial, fossem datas ou simples idas ao zoo, a um concerto, um passeio…
Nos últimos tempos, era já a como se a minha filha mais nova. A quem concedi o meu tempo, o meu toque, as palavras, a companhia no conta-gotas duma quimioterapia que se sabia apenas paliativa, no quarto de hospital onde lhe molhava testa e lábios, tentando levá-la para longe das quatro paredes em conversa; enquanto pudemos conversar…
Resta o alívio por ter (tal como desejava) estado junto dela nos últimos instantes de vida. Não sei se consegui ajudá-la na travessia, mas agarro-me à ideia de que sim. As palavras que lhe disse foram as mais sentidas, antes de repousar a cabeça naquele peito esquelético, tão sofrido, à procura dum colo de mãe que já me fazia falta.

14 março 2018


E do nada, que foi quase tudo, surge um sorriso, uns braços esboçando um abraço apertado, quando os últimos dias foram de quase total inércia.
Atónita, habituada a semanas de cama recebendo as mesmas visitas, olhou a amiga que reservou viagem para vir a Portugal visitá-la assim que a soube doente. Amiga que surgiu por trás de mim e, no seu inglês afectuoso, abraçou-a e passou o tempo recordando convívios, bolos e gargalhadas.
Até eu renasci! Que isto, só quem conhece o caminho solitário da doença prolongada valoriza realmente os que sabem distinguir-se da conduta de habitual distância. Não sei que vírus este, dos humanos: agem como quem receia o contágio. Não acompanham doente ou familiar.
Num mundo onde os abraços quase se extinguem, a conversa escasseia, até os sms evaporam e é raro o amparo emocional prestado aos que sofrem.
É disto que precisamos: de corações que saibam conjugar afecto com disponibilidade, no verbo entregar(-se), presente do indicativo.

11 março 2018

São notícias que nos ensurdecem ao primeiro impacto e entontecem logo a seguir.
A solidão. O refazer o caminho para encarar quem sofre sem saber de quê. Ter de manter a máscara, como se nada se soubesse. Proteger, sorrir, acarinhar.
São fraquezas que nos entram no âmago e roubam saúde ou alegria.
São perguntas sem resposta ou comunicações brutais, sem ética que adapte a verdade ao receptor que terá de digeri-la.
São ambientes de ruído, dores de tudo e diálogos de tentar forjar esperança. E de tanto que fica por dizer.
São semanas em que mingua o tempo, o físico e o ânimo.
Lá fora, a vida segue o rumo feliz para os sem notícias.

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