31 julho 2015

A "vidinha"


Há meses, numa tarde cultural, um dos protagonistas, homem da escrita, dizia que discorda que se escreva sobre “a vidinha”. Que qualquer um escreve, sobre qualquer tema, o que tornava a escrita menos digna. Não sei se foi este o termo exacto que utilizou, mas a ideia era esta.
O autor defendia, perante um auditório significativo, que a escrita deve ser deixada a quem sabe. A quem tem substanciais conhecimentos históricos ou científicos, que a maioria desconhece ou de que tem uma vaga noção.
Duas coisas me fazem afastar de tal posição: a primeira, o tempo infindo que a sua prelecção demorou. Desafiando a capacidade de atenção dum público vasto e diversificado, falava para si mesmo. Um tipo dos que gostam de se ouvir.
A segunda, é que não podia discordar mais da opinião do cavalheiro. 
A vidinha, aquela sobre a qual tanto se escreve, a banal, rotineira ou mediana, não será a da generalidade de quem escreve e de quem lê? O facto de a maioria dos cidadãos passar por cá sem grande protagonismo histórico, feitos políticos ou descobertas científicas confere menos interesse às suas vidas? Terá a literatura apenas que ver com as grandes personalidades, os factos mensuráveis, a vida real? Ou não será, precisamente, o inverso: a arte de nos perspectivar o comum dos dias como a mais bela experiência, de realçar a magia de vidas triviais, que sabem alimentar uma amizade à distância, vibram quando um nome inesperado surge no ecrã do telemóvel, apreciam uma caminhada num final de tarde que parece cenário? Não valorizará o leitor que um livro lhe lembre a importância dum sorriso terno, o perfume que se liberta na casa enquanto um bolo coze, a espontaneidade dum gesto de ternura, a emoção duma coincidência? 
Eu sou do território das questões, as minhas fronteiras são terras de dúvidas. Não seria capaz, ainda que tivesse dezenas de obras publicadas, de defender a teoria do absoluto, a supremacia do grandioso. Certezas não tenho e nunca comprarei.
Regozijo-me perante o facto de praticamente todos gostarmos de histórias e de estas poderem ser contadas de inúmeras formas, com vozes mais ou menos diversificadas, num estilo e género tão criativos quanto o momento do autor o permitir.
Num tempo em que tantos se agarram ao que lhes é afirmado como doutrina, mantenho a fé. De que cada um é livre de fazer a sua história. De escolher as suas leituras.

20 julho 2015


Conhecem-se menos do que se intuem. Nunca lhes faltou tema de conversa.
Têm visões diferentes e uma ocupação comum.
Um é da imaginação, o outro da recreação. Um está do lado esquerdo da vida, o outro à direita. 
Olham-se com um carinho subentendido, brincam como se se conhecessem desde a infância, falam sobre temas que não conversam com mais ninguém.
Cada encontro, uma colecção de recordações. Gaffes e risos. Sempre. Mudam os luares, como as estações. 
Um bem-estar sem pressas. 
Com tempo para se observarem. Um repara na ligeira imperfeição dos lábios do outro. O outro intriga-se perante um olhar que parece transportar mais países que os deste planeta.
Uma amizade de trilhos súbitos. Incompletos. 
O sorriso do que soa mais certo quando não planeado.

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