25 novembro 2013

Dia Internacional Contra a Violência Sobre a Mulher


Todas são mulheres. Mães. Novas, entre os 30 e tal e os quarenta e poucos.
Dinâmicas, trabalhadoras.
Todas relatam cenas que protagonizaram.
Não são contos para contar na hora de dormir, às crianças.
São biografias de horror e medo. Entre paredes. As crianças não são os ouvintes de histórias encantadas, mas testemunhas da força, do medo.
Rute tinha uma filha pré-adolescente. Casada com um ourives, pensou ter descoberto um  homem sensível. Na primeira vez foi um estalo que lhe marcou a alma. Nas restantes, as marcas eram notórias a quem quer que a visse chegar ao hospital. Rute, como tantas mulheres, ainda acreditava quando ele lhe pedia desculpa. Invariavelmente, com uma peça acabada de fazer que lhe oferecia como prova de arrependimento. A promessa de que teria sido a última vez sempre desmentida por cenas que a filha presenciava. Foi a menina quem a fez adiar a separação. Embora visse a mãe chorar e lhe adivinhasse marcas no coração semelhantes às do rosto, a miúda não queria ver os pais separados. Pertencia ao grupo maior: o das crianças para quem o pai nunca pode ser menos que perfeito.
Isabel tem dois filhos. Um casal. Adolescentes, passam a maior parte do tempo fora da esfera materna. O marido foi sempre quem sustentou a casa. Ela quem assegurou o milagre da ordem da vida familiar. Os comentários surgiram com os anos. Ele não media as palavras quando queria subestima-la. Ela nem se foi apercebendo do tom crescente de desvalorização que se ia instalando. Até se sentir violentada doutra forma. Foi quando a dependência económica a conduziu à subjugação sexual. E como ele conseguia ser carrasco, ali onde nem os filhos estavam presentes…
Cecília sempre sentiu um indefinível desequilíbrio na vida familiar. Os filhos dele eram responsabilidade dela sempre que iam passar fins-de-semana. Quando os filhos comuns chegaram, a conduta manteve-se, pois claro. As despesas eram por conta dela. O ambiente degradou-se à medida que o comportamento escalou. Dum desfile de roupas e de tigelas de cereais pelo chão da sala onde ele adormecia no sofá, noite após noite, passou às agressões verbais. Não faltaram a privação de internet, as atitudes de franca hostilidade, a tortura do sono, as ameaças. O tipo requintado de violência: sem marcas visíveis.
Sara ficou surpreendida quando as mães dos seus alunos lhe relataram experiências muito semelhantes à sua. Não ficou porque havia trabalhado como voluntária numa associação dedicada a casos de violência. Sabia os podres duma sociedade onde ninguém parece conhecer nenhum caso. Sabia que tantas como ela tinham marcas, mais ou menos visíveis, do que era a vida doméstica. Pedidos de desculpa e promessas alternando com agressões físicas, perseguições, chantagem, desresponsabilização económica de pais em relação a filhos.
Maria José tinha dificuldade em ocultar da filha, de cinco anos, as marcas evidentes de murros e pontapés. Por mais de uma vez foi assistida no hospital. Quase todos os dias a necessidade de chorar se impunha nos momentos mais constrangedores. A menina sentia-se perdida. Via a mãe triste, presenciava gritos, uma expressão na cara do pai que a assustava. Perguntava-se o que fizera para que eles se zangassem daquela forma.
Hoje, todas excepto Isabel vivem outras realidades.
Rute voltou a casar e teve mais um filho. Tem com o marido uma relação de paridade, dedicação e carinho que envolve ambas as famílias.
Cecília conheceu a paz depois de viver só com os dois filhos e de ter concretizado o seu sonho.
Sara voltou a casar, arriscou um negócio próprio e o seu sorriso acentua a harmonia em que vivem as duas famílias e a rota dum negócio que navega em águas favoráveis.

Maria José vive com Rafael e a filha. O ex-marido cessou as perseguições quando Rafael e Maria José se aproximaram. 

(Os nomes, claro, não correspondem aos reais)

22 novembro 2013

Todas as noites


Todas as noites te escrevo poemas que não lês.
Contêm promessas de amor eterno, utopia verídica dos poetas.
São poemas que moram em mim, não conhecem gavetas.
Todas as noites os escrevo e tu não os lês.

Todas as noites te dedico poemas de amor
Ditados pelas estrelas, senhoras de poder universal.
São elas que nos traçam sina doce e imortal.
Todas as noites são noites de poemas de amor.

Todas as noites
Os meus lábios te sussurram, sem que os ouças: és o meu poema.
Todas as noites nos amamos e adormecemos juntos, distantes.

Todas as noites.

16 novembro 2013

Oásis


(imagem retirada da internet)

Um oásis pela frente.

O calor evolando-se do chá de menta, dos corpos lânguidos, ocultos pelos véus.

Uma dança do ventre que se solta duma carícia, na tenda secreta, de entre almofadas multicolores.

Há palmeiras a derreter nos últimos acordes de Sol. Rosas do deserto escondendo-se dos ventos contra-alísios.

Espíritos encantados por flautas que desencantam serpentes.

Aromas de narguilé embriagam o ar quente e os sentidos.

A imensidão das dunas, pequena perante as nossas viagens pelas palavras.

11 novembro 2013


Fica.

Em silêncio.

Não quero falar. Deixei de falar.

Como diz um amigo, “por vezes cansa estar sempre a responder ao óbvio, ao que não nos apetece”.

Tenho demasiadas coisas guardadas cá dentro. Não quero lembrá-las.

Quis alguém que soubesse ouvir.

Sem responder com angústias próprias, sem comparar dores.

Porque não se sabem os percursos. As cicatrizes, os sorrisos.

O meter na cabeça que se consegue. Que tem de se conseguir. O desgaste.

O espanto pelo tanto que se alcança.

Um paradigma particular, um modo de vida reinventado.

Por vezes penso exilar-me no meu interior.

Depois, a existência pede-me que escreva. E eu obedeço-lhe.

Por palavras meias deito fora os escombros.

Prossigo, livre. Transporto apenas as boas memórias. Até novo tremor de vida.

Sei que então não me faltarão socorros.

A palavra escrita. Ou tu.

03 novembro 2013

Distracção divina

Conheci-te na rota do meio-dia
A tua tarde, uma ilha sem sereia.
Onde búzios trazidos p’la maresia
Propagavam hinos doces sobre a areia.
 
 Acordámos despidos no rochedo
Abraçados na praia clandestina
Personagens dum misterioso enredo
Engendrado p´la distracção divina
 
Renascemos no linho dum areal
Debruado a medo dentro do peito
Descobrimos fogo com sabor a sal
Nas marés vivas dum amor perfeito.

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