17 janeiro 2014

Bolo-rei misterioso


A noite era o momento em que a mãe lia uma história, antes de adormecerem.
Algumas vezes, porém, ela lembrava-se de contar acontecimentos verdadeiros.
Como no dia em que lhes disse que o bolo-rei, de que a avó tanto gosta, costumava esconder, na sua massa, uma fava e um brinde.
“Uma fava e um brinde?” – perguntaram os irmãos, ao mesmo tempo. Parecia que tinham ensaiado a questão – “O que é um brinde?”
“Um brinde era um objecto pequenino que vinha no bolo-rei, como a fava. Mas, se a fava ninguém gostava de receber, já o brinde era uma espécie de presentinho-surpresa.”
Os olhares do Vasco e da Mafalda demoraram-se na mãe, bem atentos.
“Mas era o quê?” – perguntou a menina.
“Muitas vezes eram pequenos objectos para pendurar num fio, ao pescoço. Como mãos a fazerem figas, minúsculos cadeados…”
As crianças estavam admiradas.
Riram quando souberam que a tia costumava esconder, sub-repticiamente, a fava num guardanapo quando a sentia no bolo, voltando depois a escondê-la dentro deste, quando ninguém a observasse, para não ter de pagar o próximo bolo-rei.
O relato ficou gravado no baú das histórias da Mafalda, aquele baú onde armazenamos também os nomes, os desejos, os números, os acidentes.
No ano seguinte, a criatividade da menina, que se escondia no mesmo local - o tal baú das histórias - resolveu aprontar uma surpresa à família: já que os pasteleiros tinham deixado de esconder favas e brindes no bolo-rei, ela encarregar-se-ia disso.
Fava não encontrou lá por casa. Mas não se ralou. Também ninguém a quereria…
Mas brinde… ah, esse sim! Sabia muito bem o que poria no bolo para deixar todos pasmados.
A ideia era tão boa que o mais difícil foi manter-se caladinha até a cena espantosa acontecer.
Foi no fim da consoada. No preciso instante em que a avó ia servir-se da primeira fatia de bolo-rei, este começou a arrastar-se. Movimentou-se como se tivesse vida própria. E pés, claro!
Sim, foi isso mesmo! Não acreditas? Também lá em casa ninguém se convencia que o bolo se tinha realmente mexido.
“Mas… o que é isto?!?” – exclamou a avó, perplexa.
O irmão, que não tinha acompanhado a tentativa de encetar o bolo, olhou para a avó assim que se apercebeu da incredulidade na sua voz, acompanhada da expressão intrigada da mãe.
Nova tentativa para separar uma fatia. E o bolo avançou um pouco mais.
A Mafalda, discretamente, com as mãozinhas quase escondidas pela mesa, accionava o comando dum carro de brincar que tinha colocado na massa, substituindo algumas frutas cristalizadas.

Quando entenderam a partida e o que fazia o bolo deslizar, todos riram tanto que o Natal parecia… Carnaval.

03 janeiro 2014

Ano novo


Os anos são como os meses ou os dias. Incansáveis, vão-nos retirando tempo. Em troca, dão sabedoria a quem sabe interpretar as experiências, sejam de dores ou de alegrias.
Alguns de nós prometem, desejam, sonham, acreditam. 
Sobretudo quando o ano está para mudar.
Sms’s e chamadas banalizam votos de feliz ano novo. Os comportamentos repetem-se, todos os anos. 
Uns perguntam sobre planos para a passagem de ano. Outros mentem.
Não envio mensagens ocas. Falo com quem comunico ao longo dos anos, qualquer que seja o dia.
Não ligo muito ao telemóvel. Quem me conhece sabe que ele vive períodos significativos sem som.
Não procuro ambiente festivo. Não prometo. Não fantasio. Não lamento.
Recordo com saudade quem partiu. Penso, sorridente, em quem passou a integrar a minha vida. E sinto-me grata por todos os que nela permaneceram.
Desejo que todos os amigos saibam reconhecer o que de bom a vida lhes tem proporcionado. Que a saúde os proteja, que os valores se propaguem. Que todos possamos ver aliviado o fardo de preocupações e apreciar os dias simples.

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