13 abril 2018


Uma casa a desfigurar-se.
Uma pessoa a desmoronar enquanto protagoniza a mudança inevitável.
Saem papeis, plásticos e lixo primeiro. 
As coisas substituíram a vida nesta casa, há muito. Cheira a naftalina e o ar incomoda. Nem as paredes têm espaço livre.
Nunca gostei de casas tão pesadas de objectos. Agora, pesam-me no coração, à medida que encaro cada um, numa solidão de filha única que desfaz a casa da família, onde cresceu, quando tanto é já absurdamente excedente, resultado dum processo menos salutar de acumulação
Pela frente, vejo uma tarefa interminável, projecto para o qual as forças têm de ser forjadas; não existem. E no calendário próximo há cirurgias à vista.
O luto é um processo conhecido, mas nenhum luto é igual.
Desmontar uma casa também não é uma estreia. Mas esta é a casa.
Cada roupa, cada fotografia, cada móvel tem ADN nosso. Mas o pior são os detalhes. As flores que a neta ofereceu no último Natal com o seu próprio dinheiro. As gravatas do meu pai que a minha mãe guardou todos estes anos. A carteira que saiu com ela para o hospital e voltou sem ela. As roupas de que ainda não consigo abrir mão. Os cartões de Dia da Mãe, as fotografias de quando éramos pai, mãe e filha sorridentes.
Há tristeza em cada gesto, horas infindáveis de gestos pela frente e tantos móveis, tanta coisa cujo futuro me aflige.
Este é um luto que eu não sei como gerir.

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