21 janeiro 2011

Não é tanto a perspectiva de te saber noutro plano, distante do meu olhar.
É o medo de te ver sofrer. A angústia…
A memória que vai, sem o meu consentimento, buscar momentos do sofrimento de outros, que amei e já não estão. De outros sofrimentos meus…
Dizem que, quando nos damos conta de que estamos de partida, nos assaltam a lembrança flashes da nossa vida.
Talvez.
Sei que não tenho sentido outra coisa. Desde há dias, ando em permanente estado de retrocesso ao nosso passado, às nossas viagens. Às nossas idas ao cinema, ver as matinés infantis. Aos banhos, que na tua casa podiam ser de imersão e eu chamava de emergência. Às gemadas de manhã. Aos passeios à quinta, acordando ainda de noite ao fim-de-semana. Aos doces que procurava dentro da tua carteira. Aos Domingos em que jogavam monopólio, vocês, os adultos. E eu, feliz por poder preparar-vos os Nescafés, muito bem misturado o pó com o açúcar e um nadinha de água…
E as osgas, na parede do teu quarto, lembras-te? Que tanto me assustavam no início e depois de me familiarizar já não… Dormíamos juntas, acordava com o cantar do galo…
E aquela história que me relataste, eu já crescida, de um dia em que, na tua casa, eu queria um livro para me entreter e me respondeste que só tinhas livros grandes, de adultos. Eu, acabada de aprender a ler, queria alguma imagem no meio das letras. E tu respondias-me “olha, só se leres o jornal…”. E eu peguei nele e li…
As lições de condução que me deste a partir dos 14 anos, a confiança que sempre tiveste em mim…
Melhor de todas: a história do rato que apanhámos e levámos para casa!
Não sei como conseguirei ver-te ir piorando. Tu, que me incutiste a audácia de enfrentar os medos. Tu, que não podes ver agora o meu olhar desaguar em ti, tremeluzente.
Prometo esforçar-me por aplicar a tua lição. Não sei dum esconderijo para as lágrimas, mas elas não correrão enquanto te olhar nos olhos e te acariciar as mãos, escurecidas pela assiduidade dos cateteres. Prometo continuar a olhar-te sorrindo, a relatar-te as etapas dos meus filhos, a demonstrar ternura e optimismo, para não beliscar a força que és.

14 comentários:

Maria disse...

Fortíssimo!
Não tenho palavras, apenas o meu abraço. Forte.

Carminda Pinho disse...

Fiquei assim...como a Maria, não tenho palavras.
Abraço grande.

São disse...

Que se pode dizer num momento assim? Que consolo há em qualquer palavra dita ou pensada? Que força se pode transmitir quando toda ela é pouca por muita que seja?

Assi, só te ofereço o meu apertado e solidário abraço, linda.

vieira calado disse...

Edificante!

Como deve ser!

Beijinhos

Rafael Castellar das Neves disse...

Muito bontio...a promessa final, em especial, é ótima!!

[]s

Braulio Pereira disse...

gosto de fico a olhar sorrindo

é o mais lindo de ti um coraçâo

que sorri..


beijos poéticos!!

Sofá Amarelo disse...

As perspectivas muitas vezes são construídas de memórias que nos envolvem e nos acompanham para sempre... e há que guardá-las no cantinho mais precioso da nossa Vida!

Mª João C.Martins disse...

São horas e dias, às vezes meses, outras minutos apenas, a fortalecer a memória que aconchega uma partida. É como o acariciar das pedras que nos constroem e sentir em cada uma delas, tudo o que devemos a alguém...

E custa sempre tanto!!!

Sublime... simplesmente!

Um beijinho

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

como eu te entendo...

um beijo

Pena disse...

Estimada ce Brilhante Amiga:
Um delicoso constatar de um doce e lindo amor seu.
Narra-o com intensidade, pureza e beleza.
Parabéns.
Um texto sublime com a sua assinatura.
Linda. Adorei.
Parabéns sinceros. É sublime e fabuloso, o que escreve com delícia e fascínio.
Abraço amigo de respeito.
Sempre a admirá-la

pena

Bem-Haja, pela ternura expressa no meu blogue. Creia, que adorei.
MUITO OBRIGADO sincero e sentido, doce amiga.
É brilhante em tudo o que faz.
É uma honra, a sua amizade. Perfeita.

De Amor e de Terra disse...

É minha querida menina...
dói, amarga, é duro, mas sei que tal como eu (e outras/os mais), hás-de ultrapassar essa dor enorme, porque és força e porque o amanhã existe.

Bjs. e abraços de muita amizade.
Maria Mamede

Nilson Barcelli disse...

Um texto belíssimo, carregado de afecto, muito carinho e ternura. Cheio de palavras que nascem no coração e crescem nas lágrimas que escondes aos olhos dela. Palavras como os banhos de emergência... palavras que comovem que as lê atentamente.
Beijos, querida amiga.

Fernando Santos (Chana) disse...

Um braço solidário....

Braulio Pereira disse...

feliz domingo optima semana



beijos!!

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