O menino, André, tinha apenas 24 meses, três dos quais passados no Hospital de D. Estefânia, para onde queimaduras de terceiro grau o haviam conduzido, numa luta diária contra as lesões que um corpo tão pequenino se esforçava por vencer.
Encolhíamo-nos pelo quadro que nos aguardava: aquele bebé era o rosto da infância maculada, os seus olhos mirando-nos pesados de dor, os gritos de quem não quer mais que ver todo esse cenário terminado.
O pai do André esforçava-se por acalmá-lo, com uma voz sussurada de amor. A mãe, exausta, havia saído por momentos do espaço onde o filho passara os últimos meses da sua ainda curta vida.
A minha experiência de voluntariado nos hospitais já me dotou de alguma força para encarar cenas dolorosas com a empatia necessária mas acompanhada da devida neutralidade. Mas esta cena não me sairá nunca da memória. Muito mais que as noitadas a estudar, as viagens realizadas ainda durante os anos do Conservatório de Música, a hospitalidade recebida e retribuída entre colegas de diferentes países.
Era de exaustão o olhar daquele pai. Ombros vergados ao peso da dor pelo sofrimento do filho, incapazes de projectar no futuro um simples passeio pelo campo, uma corrida atrás duma bola, uma tarde de praia furando ondas.
Habituado a ver cada bata branca como símbolo de mais uma sessão terapêutica, o André gritava e chorava quando alguém de branco se aproximava.
Mas naquele momento entrei eu. E o meu violino. O pequenino olhou-me com a expectativa cravada na sua expressão surpreendida e deu-me o benefício da dúvida.
Coloquei a voz naquele tom pacífico de quem quer ser escutado calmamente e transmitir essa mesma calma e perguntei-lhe se podia tocar para ele, mostrar-lhe “como faz o violino”.
As notas emergiram no ar, formando uma melodia. Claire de Lune.
A mãe, recém-entrada no quarto, estacou, comovida com a reacção do André. O miúdo olhava, estupefacto, ora para mim, ora para o violino, investigando a proveniência daqueles acordes que o deixavam alheio a todo o sofrimento, um sorriso a embelezar-lhe ainda mais o rosto redondo.
Quem passava aproveitou para parar. E foi assim, nesta pequena audiência de um filho, seus pais e alguns profissionais de saúde que rejubilei com a minha opção de vida. Com a prova de que a música tem propriedades terapêuticas.
20 comentários:
Há coisas ... e pessoas fantásticas, não há? :)
olá vim aqui.
com AMOR.
dar-te um
beijo..
lindíssimo! a música faz milagres, é um acto de amor, e sendo assim, o amor aquece e faz terapias, assim, como esta neste pequeno bebé
beijinhos
fiquei com um arrepio na pele e um sorriso nos lábios
deixo-te um beijo com melodias de paz
A música faz maravilhas e o voluntariado faz-nos sentir melhores com o mundo.
Fiquei com pele de galinha ao ler este post, mas foi uma sensação boa.
É ao saber destas realidades que engrandeço em "conhecer "pessoas como tu. E a musica nada seria sem os que a tocam.
Um beijo. E a minha admiração.
Filoxera,
Há momentos inesquecíveis e este deve ser um deles, para ti e para todos com quem o pratilhaste, principalmente a criança.
Bem hajas!
Beijinho
Que essa alegria te cubra sempre, minha querida.
Nada há melhor do que fazer sorrir alguém, principalmente uma criança em sofrimento.
E eu sei o que é ser uma criança queimada
Bem hajas!!
AnaMar, Meg e São:
Possivelmente não terão reparado na etiqueta deste post: "as minhas histórias". Trata-se duma história, não do relato de algo que tenha vivido, por muito que eu gostasse de perceber de música :-(
Nada tenho de violinista, infelizmente.
U beijo a todas.
Está grande a tua imaginação!!
É efeito do novo trabalho, é?
Muito bonita a história que podia bem ser real. Os bebés adoram música. Quando a Mariana chora, se lhe puser música ela cala-se logo.
Um abraço e tudo de bom
Eu realmente vi "as minhas histórias", mas não pensei que fosse ficção....
De qualquer modo , essa de não entenderes de música não está muiro correcta, porque até sabes da sua importância na vida das pessoas.
Um beijinho.
Estou aquiiiii!!!
A preguiça pregou-me uma baçula, só isso. Sabe, fiquei assim a modos de chega aí a genebra, liga o CD (liga o CD, que disparate, liga a aparelhagem e agora deixa-me ouvir a 5ª). Eis senão quando o blog foi ter comigo à sala e disse está ali alguém a perguntar o que é feito de ti.
Ha!!!??
Pronto estou aqui, deixei a 5ª, chego e encontro este texto ficcionado que é uma autêntica sinfonia! Lindo, o monandengue de rosto redondo.Mais linda, ainda,quem entrou de violino. A música tem mesmo propriedades terapeuticas!
Um beijinho
Oh, Doce Amiga:
A sua empatia, valor humano e o seu violino fazem milagres. Lindo. Linda, como VOCÊ é e significa para o mundo. que comporta vários mundos.
Parabéns sinceros.
Adorei. O som que sai do seu violino enternecedor fortalece corações e fascina de ternura, carinho e dedicação.
Beijinhos mil.
Com respeito imenso.
Beijinhos de gratidão por ter uma fabulosa amiga assim.
pena
MUITO OBRIGADO pela honra e simpatia da sua visita terna.
Bem-Haja, extraordinária amiga de sonho!
Claire de Lune é uma das minhas preferidas. Havia um piano cá em casa que nunca a deixava de tocar só para mim...
Perfeito!!
Bom, não consegui ler de uma só vez... porque o virtual que descreves é realidade em muitos lados... infelizmente sem os acordes de um violino mágico...
Olá, amiga!
Folgo muito em saber que já aí
tem "para ler em papel", como diz.
Desejo-lhe boa VIAGEM!
E obrigado.
Beijinho
Música de embalar,
Um bem precioso para o bébé.
Bjo
É sabido o poder terapêutico da música.Até em doentes em coma profundo. Mas a tua história, talvez por envolver uma criança comoveu-me.
Beijinhos
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