Dançou na noite em que nasci. E ganhou a aposta que fizera com a minha madrinha. Ela achava que eu seria um rapaz, ele garantia que sabia que tinha feito uma rapariga. Pois se até já tinha feito um rapaz!
Não conheceu o seu próprio pai e não era pródigo em carinhos nem em exprimir afectos. Porém, conseguia transmiti-los de forma muito própria. Até as alcunhas que me dedicava soavam carinhosas.
Tirava rolos e rolos de fotografias à sua bebé, eu. Cedo começou a comprar-me livros, desejoso que eu os apreciasse quando crescesse. Foi a sua melhor intuição.
A nossa cumplicidade cresceu por fases. Houve a fase da palmadinha ao deitar, a das brincadeiras com bichos-de-conta, sentados no rebordo do canteiro da estação do Estoril, enquanto esperávamos a chegada do comboio, a da compra das prendas em ocasiões festivas, a dos “campeonatos” de xadrês, a das sessões de cinema na tv às quartas à noite, a dos abraços dançados, num ritmo só nosso, e tantas outras.
Pelo meio, ensinou-me a responsabilidade, instigou-me o espírito crítico, despontou a minha consciência social e política.
Não me elogiava directamente, mas gabava-me quando conversava com familiares ou amigos.Foi o meu exemplo. Muitos amaram os seus pais, mas nem todos se orgulharam deles. Eu sempre tive razões para me orgulhar do meu.
Devo-lhe, em grande parte, a auto-confiança, a autonomia, a perseverança , a iniciativa, o sentimento de pertença a um local e a uma família.
Na adolescência, a fase contestada, o seu jeito muito próprio de estar e o seu liberalismo fizeram com que até os meus amigos lhe reconhecessem um certo carisma.
Lamento não o ter hoje comigo, participando da educação dos netos, brincando com eles e apreciando os seus feitos infantis. Lamento já não ter as risadas cúmplices e as “bocas” cáusticas.
Há muito que não o tenho para comemorar este Dia do Pai. Levou-mo a Doença de Alzheimer, muito antes de a própria morte o levar. Os últimos anos foram de monólogo. Ele já nada e dizia, mas eu continuava a falar.
Hoje, como todos os dias, penso nele. Com uma saudade cada vez maior. Uma dor magoada de quem nunca aceitou a doença mais temida, a perda mais prolongada.
Todos os dias, o mesmo pensamento: fazes-me falta.
8 comentários:
Tremi com o teu texto, tão bem escrito e tão bem direccionado a uma pessoa que te... faz falta!!!!
Há diversas maneiras de dizer e contar as coisas, tu conseguiste fazê-lo de uma maneira que parece que eu próprio conheci o teu Pai, parece que eu próprio estive lá em muitos desses momentos que descreves...
Essa cumplicidade, essa estima e essa força que ele te transmitiu decerto que ele está a «gerir» isso em algum lugar...
Muitos beijinhos, foi uma homenagem que me deixou muito comovido e a pensar mais uma vez no significado da vida...
Não tenho palavras para comentar este post.
Deixo-te um abraço, muito apertado...
Um terno sentir doce e lindo.
Comoveu-me.
Sabe, é encantadora!
Beijinhos de amizade.
É um Ser Humano ENORME.
Com muito respeito e cada vez mais estima
pena
Grande homenagem a um Bom pai que soube transmitir tudo de positivo aos seus sucessores, os quais receberam com todo o amor e carinho.
Boa Páscoa
Amiga,
ao ler este teu post senti que o teu pai te deu o que de melhor um pai pode dar a um filho(a), amor!
Não o terias conseguido escrever desta forma se assim não fosse...
Onde estiver, está seguramente orgulhoso de ti.
Beijos
Minha querida,
já sabia deste teu sentir, por isso, por ti e outras amigas, não me alarguei muito ontem em comentários sobre o meu pai que ainda está comigo.
Sei como sentes a falta do teu.
Aqui fica uma xi muito apertadinho
Li alguns textos na blogosfera a respeito do dia dos pais (aqui no Brasil, é no mês de Agosto), contudo, a sua crônica foi o melhor de todos eles: enxuta, sincera, centrada e sem pieguice.
Beijos!
Fizeste-me chorar, amiga. O meu pai já cá não está e sempre desejou uma filha. Esta, deu-lhe tudo, dizia ele. Dele, eu digo, foi o meu herói.
Desejo-te uma Páscoa Feliz, cheiinha das coisas doces da vida: amizade, amor, alegria...
Beijinhosssss
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