22 abril 2022

O prospector

 


A 22 de Abril de 1920 nascia o meu tio Alberto. O primeiro de oito filhos de um casal que acabou por ficar apenas com este filho e três filhas, tendo perdido os restantes logo nos primeiros meses de vida.
O meu tio nasceu em Lisboa, mas foi vivendo aqui e ali, consoante o trabalho do meu avô, para a Junta Autónoma de Estradas, exigia. Moraram em Coimbra, no Porto, em Mértola e por fim em Silves, onde concluiu a instrução secundária. 
Tal como o pai, também Alberto se empregou na JAE.
Casou com Maria Isabel Tenente aos 24 anos, em Ponte de Sor, onde o casal ficou a residir. Por pouco tempo.
Os dias eram rotineiros, o trabalho pouco exigente e a sua ânsia de fazer mais e de ser melhor fizeram-no aspirar a outros desafios. Candidatou-se à Diamang e, em Fevereiro de 1948 embarcou no Quanza, rumo a Angola.
Pelas centenas de cartas que o seu pai guardou, senti que o conheci quase melhor que as irmãs, mais novas uns anos valentes. Soube como a estranheza inicial deu lugar a um entusiasmo crescente. Rapidamente o trabalho na Contabilidade era História e o meu tio passara a ser “homem do mato”, começando a trabalhar na prospecção.
Vivia em casas de pau a pique, algumas com diversos quartos e com frigorífico, em pleno mato, em 1951.
Liderava o trabalho de equipas de nativos, caçava (sobretudo para alimentar os seus homens) e fazia o levantamento de zonas vastíssimas, onde por vezes nenhum branco havia sido visto.
No Dundo aprendeu a guiar, embora o seu dia-a-dia consistisse em caminhar dezenas de quilómetros e prospectar. Adquiriu noções de primeiros socorros, tratou e foi tratado. Injecções de quinino e todo o material de assistência básica acompanhavam aqueles homens por todos os pontos onde assentavam por uns tempos.
O casamento não deu certo e Alberto acabou por se sentir ali tão bem quanto os leões ou os macacos. Convivia por vezes com outros prospectores e com os elementos da equipa de Geologia e só esporadicamente com outros empregados e suas famílias, nos “lupangos” mais próximos de onde se encontrava.
Descobriu o maior kimberlito da história até então, o que ficou documentado em publicações internacionais da especialidade. Mas também se apercebeu de alguns desvios, o que talvez tenha estado na origem dos ocasionais desaparafusamentos de porcas dos pneus do Land Rover que conduzia.
Passou a viver com um mini zoo, onde havia sempre espaço para mais algum animal, enquanto algum acabava por morrer. Se, na metrópole, já gostava de filatelia, no Dundo apaixonou-se pela fotografia e vídeo. Encomendava câmaras, rolos e filmes do estrangeiro.
Colaborando frequentemente com o laboratório de Biologia da companhia, acabou por se dedicar também ao embalsamamento. Encomendava câmaras, rolos e filmes do estrangeiro.
Nas férias, vinha ao “Puto”, rever a família e fazer tratamentos na termas, indo também a Espanha e Marrocos.Morreu subitamente, sem descendência conhecida, naquele que planeava ser o último contrato, quando o Land Rover onde seguia entre Xá-Mutemba e Iogo capotou, poucos dias após completar 44 anos.
Deixou desolado o pai, já viúvo, e as irmãs, todos órfãos de um corpo a quem fazer as exéquias.
Foi o meu tio quase mítico. E hoje, quis lembrá-lo, mesmo sem ter chegado a conhecê-lo pessoalmente.

1 comentário:

Elvira Carvalho disse...

Terá sido feliz por ter vivido como gostava e isso é o que importa.
Abraço, saúde e bom fim de semana

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