29 abril 2014




Soube há momentos da morte da minha amiga de maior idade.
A Dulce era uma doce senhora. Olhos azuis intemporais e sorridentes, alma de poeta, idade de muito saber e de muito aprender.

Nasceu há mas de noventa anos, no Alentejo interior, onde as meninas educadas em moldes rústicos não estudavam muito. Descobriu aquele sabor especial dos livros e apaixonou-se por eles, como pelas planícies alentejanas.

Os estudos não puderam prolongar-se, mas a imaginação e a determinação impuseram-se. Escreveu muito. Sobretudo contos e quadras de amor à terra. Ainda o fazia, num jornal alentejano local.

Revolucionária sem se aperceber, contrariou as mentalidades bolorentas das suas origens quando, já passados os oitenta anos, “juntou os trapinhos” com um senhor um pouco mais novo.

Perdeu-o contra o tempo, que estava contado para ele.

Estou a vê-la levantar-se no lançamento do meu livro e eu a lacrimejar ouvindo um poema pela sua voz. O seu sorriso gaiato...

No Verão passado, perdeu uma das amigas de mais longa data, a minha tia.

Era Agosto e as lágrimas reforçavam as palavras com que despediu dela, junto ao caixão. Ali recordou tanto, daquela amizade com mais de oito décadas, numa dolorosa despedida que ainda acentuou a tristeza de todos quanto estávamos presentes.

Agora, tenho mais alguém a quem recordar com saudade. E com orgulho.

E lágrimas.

Sem comentários:

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin