02 julho 2017

Lágrimas de Sal, de Pietro Bartolo


Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras.
Não precisei de imagens para murchar no interior, em dois momentos que me confrontaram com testemunhos da actualidade desumana.
O primeiro, via rádio, numa reportagem emitida pela TSF no Sábado, dia 24, sobre a barbárie da guerra na Síria. Fez-me chorar, a consciência de que, afinal, por muitas reportagens, livros e filmes que tenha visto e lido sobre guerras (mundiais e civis), ainda muito horror consegue soar-me a novidade visceralmente repugnante.
O segundo, quando peguei no livro “Mar de Lágrimas”, do médico italiano Pietro Bartolo, filho de um pescador. Bartolo teve de deixar Lampedusa e a família ainda bastante novo para prosseguir os estudos. Acabou por regressar, já na qualidade de médico e condicionar a própria família porque decidiu que havia gente, perdida de desespero, acabada de vencer a roleta russa duma travessia marítima, a precisar de cuidados de saúde imediatos. De um ouvinte. De um psicólogo.
Da obra, nada vos contarei; incito-vos a lê-la. Apenas digo que o relato do dia-a-dia de alguém que dedica a sua vida a salvar quem sofreu o indescritível constitui uma prova de que ainda existem heróis. Não daqueles que uma população pouco esclarecida venera, nem dos que uma juventude que tem como epicentro o próprio umbigo elege. Não. Heróis no que de mais humano se pode ser: na acção social, na protecção dos que estão vulneráveis, na coragem da exigência de condições. No sacrifício, na tristeza que esmurra quem sabe sentir compaixão.
Pietro Bartolo entrelaça a sua história de vida e as histórias de sobrevivência de quem não pôde suportar as condições em que vivia, arriscando tudo numa travessia marítima contendo tanto de perigo como de incerteza. Nessa trama, subtilmente urdida para amenizar o impacto do horror que nos apresenta, conta-nos das decisões, da crueldade inqualificável, do insuportável sofrimento físico e psicológico, do exemplo de coragem e determinação de mulheres, homens e crianças a quem a sorte saiu errada.
Este livro é o mal-estar necessário às nossas consciências. Consegue ler-se de um fôlego, porque nos enreda e nos questiona. 
Não recomendável aos que atravessam um período de vulnerabilidade emocional.

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