23 abril 2014

Páscoa


A Páscoa da minha infância começava quando me sentava na camioneta.
Tantos quilómetros pela frente! Cinco horas até chegar ao Porto. Eu, sozinha, com 5 ou 6 anos, enchia-me de coragem porque sabia que teria tios e primos à minha espera, à chegada.
Os galos ainda se faziam ouvir em Gueifães e acordávamos com o entusiasmo inigualável de quem apenas ambiciona brincar.
É esta a Páscoa que conservo.
R
elato aos meus filhos os dias de brincadeiras na rua, duma primalhada que se estendia por quatro casas. Os longos percursos a pé em que acompanhava os primos/amigos até à confissão, eu, a quem o meu pai me transmitira uma fé profundamente ateia.
A romaria, encabeçada pela minha tia, até ao Porto, onde tinha uma loja de referência e em cuja rua procurávamos toilettes novas para cada um dos meus quatro primos. Eu era também presenteada, sorrindo com tamanha sorte.
Outras vezes, mais crescida, rumava sozinha a casa do meu irmão, para estar com os sobrinhos, da minha faixa etária. Oito, pois então! Para quem foi criada como filha única, não podia haver melhor que estas férias no Porto. Numa casa, era uma entre cinco, com mais uma série de miúdos da família nas vizinhanças. Na outra, tinha o estatuto de tia para oito! (e, rapidamente, para tantos outros, quando as gerações se multiplicaram).
Ainda é esta a Páscoa que sinto nas veias. As séries bíblicas na tv, as missas, a família numerosa. O compasso percorrendo as ruas e nós antecipando-nos à sua chegada, percorrendo as casas numa ansiedade pueril e alegre. A mesma que nos fazia apanhar rãs no charco e trazê-las para casa.
A minha tia, mãe de quatro primos, dona duma loja no centro da Invicta, gerindo tantas funcionárias e responsabilidades, continua a ser a minha imagem da Páscoa. A incansável figura matriarcal, que nos servia um cabrito delicioso e um leite-creme memorável que jamais alguém conseguiu igualar, é a minha referência desta época, como de quase todas as férias.
Se hoje esta quadra me traz gratas memórias, é porque saía dum local onde não havia tradição religiosa e me integrava numa terra onde tudo me envolvia no espírito cristão que fazia desta data mais um motivo de comemoração em família.
Vejo os meus filhos, de sorrisos castanhos de chocolate, e penso que não sabem o quanto a Páscoa já foi mais doce…

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