O dia sem cor.
As horas, amorfas, pedem uma acendalha que os olhos não alcançam, hoje: o teu sorriso.
Tardes assim, nostálgicas como a chuva, convocam memórias de gargalhadas cúmplices, gestos marotos.
Refugio-me na cozinha. Começo pelas panquecas para o lanche e, enquanto tento mantê-las direitinhas com umas mãos inquietas, penso noutras mãos, descobrindo prazeres escondidos em locais seríssimos, fintando presenças desconhecedoras. Sorrio por dentro. Um sorriso quente.
Depois, o mais demorado. Preparar o refogado, o bacalhau, as batatas. Um bacalhau com natas numa versão diferente da habitual. A lembrar a originalidade de cada momento nosso. O improviso, a gaffe, os diálogos em que me sinto sempre parva, como na primeira vez. O rirmos de nós mesmos. Tontices de meninos, em saídas de gente semi-crescida.
Por último, as maçãs para assar. O aroma que toma de assalto a casa, recordando-me o teu. Os nossos. Numa fusão de alta temperatura que faria do forno um parente afastado do frigorífico.
Quando termino a empreitada na cozinha, tenho já o teu sorriso na minha cara.
Mas só eu sei que é teu...