25 fevereiro 2011

Havia uma porta. E por ela entravam flores em pleno voo, canções perfumadas e aves migratórias que se sentiam ao longe.
Havia um recanto, desses recolhidos do resto do mundo, onde se aninhavam os sonhos e adormeciam cansaços. Um recanto pintado de poesia, em tons quentes de emoção.
Havia um esconderijo aberto aos amigos, pleno de risos e lágrimas. Dessas que vêm comemorar as alegrias ou enterrar os desgostos.
Havia um refúgio no tempo, que parava sempre que se anunciava um novo momento, uma nova dádiva de minúscula eternidade.
Havia um abrigo, resguardado de solavancos, sempre em condições de circulação, ausente de esperas, imune à distância.
Havia um reduto onde a clareza era constante, a vida uma promessa e a esperança uma garantia.

A porta sucumbiu à nortada. Cedendo à lei da força, desengonçou-se. Deixou que o espaço sagrado fosse profanado.
À vista de todos, apenas destruição.

Sentindo-se violentada, ela ergueu-se, contabilizando os danos. Contemplou cada equimose, cada escoriação. A fadiga era inimiga, mas ela sabia que sairia vencedora da contenda.
Fechou os olhos, saboreando a sensação revitalizante de uma inspiração demorada.

20 fevereiro 2011

Bordado na minha pele, eras manta que me cobria, num toque de flores.
Agora, sinto frio...

16 fevereiro 2011

Era um conto envergonhado

Que andava por aí perdido,

Escondido em qualquer lado

Ou- quem sabe?- mesmo esquecido…



O conto já tinha o tempo

Dos pais, das mães, dos avós,

Mas faltava-lhe um novo alento

Que o contasse, uma nova voz



Foi então que um menino

Por acaso o descobriu.

Um livro antigo, pequenino,

Cheirando já a bafio.



Às letras recém-chegado

O menino começou

A leitura, interessado

E o tempo logo voou.



Foi nas asas daquele conto

Voando na imaginação,

Seguindo a vírgula, o ponto

E o ponto de exclamação



E foi tanta a paixão

O rapaz pelas leituras

Que prometeu logo então

Vir a escrever aventuras

13 fevereiro 2011

Não digas ao Sol que te trago no peito

- ele não sabe que há maior calor-

Que é deitar-me contigo no leito

Onde fazemos muito mais que amor



Não digas à noite que vens ter comigo

-ela pensa que eu te inventei-

Quero apenas a minha nudez, contigo

Numa sinfonia que nunca toquei


Não digas à Lua que és meu amigo,

Que tenho nos teus braços o meu doce abrigo;

Ela não sabe quanto é bom partilhar.



Pede só ao dia que não venha ainda,

Que nos deixe ficar numa noite infinda,

porque todo o tempo é pouco para amar.

10 fevereiro 2011

De novo, este vago sentido de vazio

De novo, o calor lá fora, cá dentro apenas frio


E sempre a mesma estranha sensação

Dos dias que chegam, após os dias que vão


Sem cálculo, sem vontade, sem inspiração

Nem projectos, sonhos ou acção


De novo, esta saudade de te amar

Este fazer-me rir, só para não chorar

07 fevereiro 2011

A professora de dança disse que o meu filho foi um autêntico menino-ventania, nesta última aula.

Dança como se voasse, a uma velocidade comparável à do vento, em enredos que imagina rápidos, como a ligeireza com que joga à bola.

Parece voar sobre o Mundo, e eu sei o que é ser-se assim, sempre meio-cá, meio-lá. É querer aprender tudo o que nos ensinam, ao mesmo tempo que se segue um apelo interior para um mundo de criatividade.

Ele começou por dançar porque queria aprender hip-hop.

Hoje, dança porque interioriza todas as cadências. Os sons, as músicas, as letras. E dança-as também em ritmos lentos, mais introspectivos.

Ali, o seu corpo cria histórias, transmite emoções e inventa jogos que desembocam no abraço com que me recebe no final. A imaginação movimentando-se em prol das melodias.

Sei que as aulas de dança foram uma escolha acertada porque ele vive-as com um sorriso que lhe brilha nos olhos e se reflete na boca, de onde espreitam dentes definitivos e espaços provisórios.

(a irmã também dança, mas o post de hoje é exclusivamente para o menino-ventania; ela terá o seu noutra ocasião)

04 fevereiro 2011

Imagino-te aqui, junto a mim.

Já não sei viver de outra forma,

ou talvez não queira.

Os nossos olhos percorrendo-nos,

naquele mel que tudo aplaca,

enquanto nos atira para um incêndio doce.

Imagino a festa, a música do nosso toque,

o embalo das nossas peles,

o ritmo que me corre no sangue e se propaga pelas ancas.

E inventamos a vida, seguros do nosso refúgio.

Não sei quanto tempo ficamos assim,

cosidos um ao outro, em mais um encontro às cegas.

Não importa. Nada importa. O amor é feito de paradoxos.

Só me importas tu.

01 fevereiro 2011

Foi há dois anos. Na altura, senti-me mais órfã.

Agora, porém, acredito que não te perdemos, então. Acredito que o que existe tem uma razão de ser.
Se sinto saudades, é porque valeu a pena percorrer uma parte deste trilho contigo.
Olha, deixa-me confessar-te um segredo: gosto de imaginar que estás agora noutra dimensão, onde a saúde não falta, a família se reúne, mais cedo ou mais tarde e o espírito acompanha os que caminham nesta vida.
Se sinto saudades, é porque conservo as tuas histórias, contadas em voz de barítono, dos abraços tão grandes como tu, das gargalhadas. Se há coisa que marca o nosso percurso comum neste trilho, são as gargalhadas. E o facto de te ter dado uma “neta” no dia do teu aniversário. Até tem os olhos azuis, como tu.
Muita coisa aconteceu por aqui. Mas isso tu deves saber.
O que te quero dizer é que estou em paz, reconciliada com a dor. Só não dispenso a saudade.

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