Lisboa começava na estação de comboios do Cais do Sodré.
Até à minha
adolescência, era na capital que as compras se faziam.
Na era
ante-shoppings, saíamos da gare ferroviária pelas escadinhas onde os ardinas
empilhavam os jornais para venda. Ali se liam primeiras páginas dos diários com
notícias políticas, se compravam almanaques Disney ou se miravam os dotes
físicos das mocinhas que embelezavam as capas de revistas ditas masculinas.
Um nadinha para a
direita, as bancas da fruta, em metal colorido, a par das paragens de táxis.
Era assim que
começava a tarde quando tínhamos oito ou dez anos e íamos à Sepordagio ou em
busca de roupa para substituir a que já ficava curta.
Eu e a minha mãe
atravessávamos a Praça do Duque da Terceira e íamos ao emprego do meu pai para
eu poder surpreendê-lo e namorar o navio de cruzeiro à escala, da linha Costa,
que recebia os visitantes da Orey Antunes. As conversas desvaneciam-se então,
enquanto na minha imaginação aquela réplica passava a navegar no meu quarto,
com alguns pequenos bonecos de borracha como viajantes.
Raramente,
almoçávamos os três, no Porto de Abrigo, ali numa transversal.
Os percursos eram
frequentemente feitos a pé. Por vezes, apanhávamos um autocarro para o centro.
As pernas das crianças eram mais costumeiras nestas deambulações que de
consumista pouco tinham.
O regresso
normalmente premiava o cansaço com uma paragem na padaria Caneças, onde nos
embrulhavam pães-de-deus cujo aroma nos acompanhava até casa, numa antecipação
gulosa do momento de lhes ferrar o dente.
Fazer uma compra era,
então, um programa. Uma tarde com história.
1 comentário:
Recordar os locais da nossa mocidade é sempre reconfortante. Não cresci em Lisboa ou sequer perto, mas reconheci os locais que falaste e o ambiente da época.
E não fazia ideia de que o teu pai tivesse trabalhado na Orey e Antunes.
Gostei do teu texto, todo ele ternura nas recordações que abordaste.
Tem um bom domingo e uma boa semana.
Um beijo, querida amiga Filó.
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