“Começando pelo princípio, que é como se devem começar as coisas, sempre gostei de ti.”
Leio a frase, no Terceiro Livro de Crónicas, do Lobo Antunes, e revejo a nossa história.
As imagens torpedeiam-me a memória, desassossegadas, atropelando-se, ansiosas por se destacarem, ganharem protagonismo em relação às restantes.
E é como se ambos lêssemos, em uníssono, um álbum fotográfico de memórias. Cenas que começam na pré-adolescência e se desenrolam, lenta, suavemente, pelas décadas de crescimento, pela maturidade jovem de quem se foi sentindo, mesmo na ausência.
Lemos com o olhar; como nos olhamos agora, em profundidade. E interpretamos com o coração as imagens de miúdos que, em grupo, esboçam partidas, jogam ao prego ou se escondem atrás de segredos partilhados.
Percorremos o álbum com a alma presa à lembrança de conversas entrecortadas pela risota, slows dançados num entusiasmo tímido de passos lentos, cartas enviadas com a cooperação de uma coadjuvante cúmplice. Sempre gostei de ti.
Há retratos de praia, pequenos percursos de motorizada, saídas breves no verde da noite, tentativa-erro-descoberta e olhares que se doseiam num esconde-esconde intenso mas curto.
Perfilam-se confissões de época pascal, alternando com desfiles de festividades pagãs. A ida ao pão na manhã por desvendar, o mão-na-mão morno, todavia, tão quente.
E as músicas acompanham o nosso trilho de palavras guardadas em cartas de amor antigas, sempre vivas, palavras que se repetem em sussurros feitos reencontros, que se perpetuam com a tecnologia tornada romântica.
E há imagens de futebol e volley, cães ferozes, outros dóceis. Há festas de família e contos de fadas, cactos de boa memória e tantos lado-a-lado nos momentos gravados. Uma enormidade de lembranças comuns em quinhentos anos de vivência semi-próxima, demasiado distante. Unida pelo sentimento. Sempre gostei de ti.
Sorrisos aos quais falta o à-vontade da ousadia e sobra o enlevo da ternura. Gestos que denunciam o que no íntimo, silenciosamente, ecoa.
A demanda, inevitável, incessante, até ao reencontro. Um dia.
Anos de nada. Tudo em meses.
Emoções em torvelinho, atropelo de intenções. A presença constante, desalinhada da geografia. Planos que ganham existência. Fora desta realidade. Do outro lado da Lua.
Sempre gostei de ti.
13 comentários:
Estimada Amiga de Excelência:
Sem palavras...
Sublime. Repleto de encanto.
Fabuloso texto.
Tenho imenso respeito e fascínio amigo por si e pelo que concebe de forma fantástica e mágica, por ser uma das mais encantadoras "resistentes" da Blogosfera.
Todos ou quuase todos se foram.
Parabéns, genial amiga de sonho.
Beijinhos mil de respeito imenso.
Com admiração sempre e constante por si e pelo que concebe de ternura e pureza imensas.
Grato pela amizade fiel e linda.
pena
É notável, amiga.
Excelente.
Bem-Haja, pela honra da sua preciosa amizade sincera.
Adorei. Linda.
Gostar é bom.
E leva, até, a que escrevas um texto tão belo como este. Do qual gostei muito.
Beijo, querida amiga.
Como gostei deste teu texto! As memórias [minhas] avivaram-se também... e o gostar... é sempre!
Beijo meu.
Lindo texto, querida amiga! Volto a repetir-me mas não posso deixar de dizer-te que poderia constar como crónica em qualquer bom jornal ou revista. As palavras fluem-te como a corrente contínua de um rio, com limpidez, quer escrevas em prosa ou em verso. A minha opinião, modesta, tem o valor que tem mas creio que as editoras não andam pelos blogues. Eloquente, bem estruturado, interessante...merece um lugar mais destacado.
Bem-hajas!
Beijinhos
Filó,
fiquei dentro do texto, por momentos "meu", como o deverão ser todos os que nos lêem a alma.
E repito o que já lhe deixei antes: sublime forma de conjugar o verbo, escrito a quente.
Vou (re)ler, amiga.
Um beijo daqui
Mel
Já não sei de onde venho nem onde a encontrei, mas o facto é que aqui estou ... e do que li fiquei com vontade de continuar a ler mais e mais.
Sempre gostei de gente que sabe dizer a quente o que sente.
Parabéns pela magnífica capacidade de escrita.
Adorei este passagem:
"Sorrisos aos quais falta o à-vontade da ousadia e sobra o enlevo da ternura."
Voltarei, se achar bem.
Ná
gostei muito deste texto.
em algumas partes encontrei-me enredada nele.
"sempre gostei de ti" faz tanto sentido...
um beij
Já não sei se gosto mais da tua prosa ou do poema...
Quando os silêncios nos revelam sentimentos antigos. Gostei. e gosto.
Beijo.
é bom gostar...
beijinho Filoxera
Belo texto...Espectacular....
Cumprimentos
E mesmo assim persistimos
e ainda assim esperamos
ainda, como criança sozinha atrás do muro...o amor está intacto em cada palavra de tua prosa.
Belíssimo!
Um beijo e agradeço a carinhosa visita.
que belleza de entrada..gostei tanto , que me la quedo y a al vuelta del verano la publicaré con tu permiso....
feliz verano
Gosto-te! ;) without!!!
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