04 outubro 2008



Desligaram o telefone.
O que queriam que dissesse? Que a vida assim, como tem sido, nem sequer é vivida?
Pois claro que não.
Por isso, como toda a gente faz, limitou-se a responder que estava bem e não adintou muito assunto em cada resposta.
Claro que os miúdos estavam óptimos; não, nada de novidades.
Obviamente.

É que não era com dois ou três telefonemas por ano que se podia ter uma conversa de amiga para amiga.
As amigas não descansam a consciência com telefonemas quando o rei faz anos.

E as amigas das pseudo-amigas não lhes despejam, assim de rajada, todas as angústias por via hertziana numa chamada que tem muito mais de cortesia forçada do que de amizade.
Não era assim, à distância, que lhe ia dizer aquilo que, noutros tempos, lhe teria apetecido contar cara-a-cara, escorrendo lágrimas ou bebericando um tinto suave.

Foi essa a razão de não ter encontrado espaço, naquela forma de conversar, para desembuchar as preocupações económicas, o mau comportamento do filho do meio, a necessidade de companhia para preencher os dias desempregados. Já para não falar do casamento que era, na realidade, um contrato de trabalho não remunerado, nas amizades evaporadas, etc.

O desabafo faz-se com quem se demonstra próximo, pensou, enquanto atirava aquelas respostas sumárias. Daí que não tivesse perguntado à amiga pela irmã, pelos pais, pela viagem que fizera (e da qual nem uma lembrança para as crianças trouxera). A sua vida não seria mais tema de conversa, mas também não queria saber de outras vidas.

Guardara para si aquilo que a outra não queria ouvir, consciente que também não lhe apetecia ouvir relatos de aventuras nem problemas fantasiados.

8 comentários:

BlueVelvet disse...

Querida amiga, compreendo tão bem o que escreveste.
No que escreveste e nas entrelinhas.
Sei exactamente do que falas, por isso certos números no visor do meu telefone avisam-me que não é para atender.
Porque se atender é para dizer que está tudo bem, para fantasiar uma amizade que já se foi.
E às vezes nem é a distância física.
É a ausência de preocupação.
Muitos beijinhos e sabes que a minha mão está aqui. Sempre.

Tiago Mendes disse...

Hoje o Reflexões Exteriores faz anos! Passa por lá! :)

Tiago

Carla disse...

porque a amizade é fundamental...mas precisa de ser alimentada...como tudo na vida, afinal
beijos

Patti disse...

Ainda no outro dia tive uma conversa muito parecida com uma grande amiga minha.
Tudo o que dizes é a mais pura das verdades. As amizades regam-se e adubam-se.

Alexandre disse...

Devíamos nos sentirmos livres para falarmos o que quiséssemos e com quem quiséssemos... infelizmente muitas vezes fazemos «sala» para respeitar as regras da sociedade e da boa conduta... mas quem se lixa somos nós...

Muitos beijinhos!!!

Elvira Carvalho disse...

Percebo a frustração. Todos passamos por fases más, em que a amizade pode ser um suporte para nos ajudar, mas também pode ser uma decepção a afundarnos mais no desanimo.
Um abraço

Paulo disse...

mais vale poucos mas autênticos

Cátia disse...

De mansinho vim cá parar... Adorei este texto, compreendo-a bem. Existem conversas que não "podem" ir mais além, porque essas, só vêm com as pessoas que sentimos perto.

Voltarei.
Beijinhos

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