A noite era o momento em que a mãe lia uma história, antes
de adormecerem.
Algumas vezes, porém, ela lembrava-se de contar
acontecimentos verdadeiros.
Como no dia em que lhes disse que o bolo-rei, de que a avó
tanto gosta, costumava esconder, na sua massa, uma fava e um brinde.
“Uma fava e um brinde?” – perguntaram os irmãos, ao mesmo
tempo. Parecia que tinham ensaiado a questão – “O que é um brinde?”
“Um brinde era um objecto pequenino que vinha no bolo-rei,
como a fava. Mas, se a fava ninguém gostava de receber, já o brinde era uma
espécie de presentinho-surpresa.”
Os olhares do Vasco e da Mafalda demoraram-se na mãe, bem
atentos.
“Mas era o quê?” – perguntou a menina.
“Muitas vezes eram pequenos objectos para pendurar num fio,
ao pescoço. Como mãos a fazerem figas, minúsculos cadeados…”
As crianças estavam admiradas.
Riram quando souberam que a tia costumava esconder,
sub-repticiamente, a fava num guardanapo quando a sentia no bolo, voltando depois
a escondê-la dentro deste, quando ninguém a observasse, para não ter de pagar o
próximo bolo-rei.
O relato ficou gravado no baú das histórias da Mafalda,
aquele baú onde armazenamos também os nomes, os desejos, os números, os
acidentes.
No ano seguinte, a criatividade da menina, que se escondia
no mesmo local - o tal baú das histórias - resolveu aprontar uma surpresa à
família: já que os pasteleiros tinham deixado de esconder favas e brindes no
bolo-rei, ela encarregar-se-ia disso.
Fava não encontrou lá por casa. Mas não se ralou. Também
ninguém a quereria…
Mas brinde… ah, esse sim! Sabia muito bem o que poria no
bolo para deixar todos pasmados.
A ideia era tão boa que o mais difícil foi manter-se caladinha
até a cena espantosa acontecer.
Foi no fim da consoada. No preciso instante em que a avó ia
servir-se da primeira fatia de bolo-rei, este começou a arrastar-se.
Movimentou-se como se tivesse vida própria. E pés, claro!
Sim, foi isso mesmo! Não acreditas? Também lá em casa
ninguém se convencia que o bolo se tinha realmente mexido.
“Mas… o que é isto?!?” – exclamou a avó, perplexa.
O irmão, que não tinha acompanhado a tentativa de encetar o
bolo, olhou para a avó assim que se apercebeu da incredulidade na sua voz,
acompanhada da expressão intrigada da mãe.
Nova tentativa para separar uma fatia. E o bolo avançou um
pouco mais.
A Mafalda, discretamente, com as mãozinhas quase escondidas
pela mesa, accionava o comando dum carro de brincar que tinha colocado na
massa, substituindo algumas frutas cristalizadas.
Quando entenderam a partida e o que fazia o bolo deslizar,
todos riram tanto que o Natal parecia… Carnaval.
Sem comentários:
Enviar um comentário