Todas são mulheres. Mães. Novas, entre os 30 e tal e os
quarenta e poucos.
Dinâmicas, trabalhadoras.
Todas relatam cenas que protagonizaram.
Não são contos para contar na hora de dormir, às crianças.
São biografias de horror e medo. Entre paredes. As crianças
não são os ouvintes de histórias encantadas, mas testemunhas da força, do medo.
Rute tinha uma filha pré-adolescente. Casada com um ourives,
pensou ter descoberto um homem sensível.
Na primeira vez foi um estalo que lhe marcou a alma. Nas restantes, as marcas
eram notórias a quem quer que a visse chegar ao hospital. Rute, como tantas
mulheres, ainda acreditava quando ele lhe pedia desculpa. Invariavelmente, com
uma peça acabada de fazer que lhe oferecia como prova de arrependimento. A promessa
de que teria sido a última vez sempre desmentida por cenas que a filha
presenciava. Foi a menina quem a fez adiar a separação. Embora visse a mãe
chorar e lhe adivinhasse marcas no coração semelhantes às do rosto, a miúda não
queria ver os pais separados. Pertencia ao grupo maior: o das crianças para
quem o pai nunca pode ser menos que perfeito.
Isabel tem dois filhos. Um casal. Adolescentes, passam a
maior parte do tempo fora da esfera materna. O marido foi sempre quem sustentou
a casa. Ela quem assegurou o milagre da ordem da vida familiar. Os comentários
surgiram com os anos. Ele não media as palavras quando queria subestima-la. Ela
nem se foi apercebendo do tom crescente de desvalorização que se ia instalando.
Até se sentir violentada doutra forma. Foi quando a dependência económica a conduziu
à subjugação sexual. E como ele conseguia ser carrasco, ali onde nem os filhos
estavam presentes…
Cecília sempre sentiu um indefinível desequilíbrio na vida
familiar. Os filhos dele eram responsabilidade dela sempre que iam passar fins-de-semana. Quando os filhos
comuns chegaram, a conduta manteve-se, pois claro. As despesas eram por conta
dela. O ambiente degradou-se à medida que o comportamento escalou. Dum desfile
de roupas e de tigelas de cereais pelo chão da sala onde ele adormecia no sofá,
noite após noite, passou às agressões verbais. Não faltaram a privação de
internet, as atitudes de franca hostilidade, a tortura do sono, as ameaças. O tipo
requintado de violência: sem marcas visíveis.
Sara ficou surpreendida quando as mães dos seus alunos lhe
relataram experiências muito semelhantes à sua. Não ficou porque havia
trabalhado como voluntária numa associação dedicada a casos de violência. Sabia
os podres duma sociedade onde ninguém parece conhecer nenhum caso. Sabia que
tantas como ela tinham marcas, mais ou menos visíveis, do que era a vida doméstica.
Pedidos de desculpa e promessas alternando com agressões físicas, perseguições,
chantagem, desresponsabilização económica de pais em relação a filhos.
Maria José tinha dificuldade em ocultar da filha, de cinco
anos, as marcas evidentes de murros e pontapés. Por mais de uma vez foi
assistida no hospital. Quase todos os dias a necessidade de chorar se impunha
nos momentos mais constrangedores. A menina sentia-se perdida. Via a mãe
triste, presenciava gritos, uma expressão na cara do pai que a assustava. Perguntava-se
o que fizera para que eles se zangassem daquela forma.
Hoje, todas excepto Isabel vivem outras realidades.
Rute voltou a casar e teve mais um filho. Tem com o marido
uma relação de paridade, dedicação e carinho que envolve ambas as famílias.
Cecília conheceu a paz depois de viver só com os dois filhos
e de ter concretizado o seu sonho.
Sara voltou a casar, arriscou um negócio próprio e o seu
sorriso acentua a harmonia em que vivem as duas famílias e a rota dum negócio que
navega em águas favoráveis.
Maria José vive com Rafael e a filha. O ex-marido cessou as
perseguições quando Rafael e Maria José se aproximaram.
(Os nomes, claro, não correspondem aos reais)
2 comentários:
É assim!
É um testemunho a merecer atenção e respeito!
Pena a data estar errada... ela tem a ver com todas as violências sobre a mulher e não apenas à violência de género
Infelizmente a violência nos casais é muito frequente.
Algumas mulheres conseguem sair desse inferno. Mas nem todas...
Filó, minha querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.
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