30 agosto 2013

Duas semanas

Uma inquietação crescente.
Uma saudade que ameaça ocupar cada cavidade do peito.
Duas semanas são pouco tempo para me habituar à tua ausência.
Há duas semanas afaguei-te o rosto pela última vez. A vida despedira-se de ti minutos antes. Eu soube que ficarias sempre presente em nós.
Quando o senhor da funerária perguntou se queríamos um epitáfio a acompanhar as flores no estilo habitual, de eterna saudade, respondi de imediato que não. Que queríamos “estarás sempre presente”.
A despedida foi como eu gostaria que fosse. Com toda a família, os antigos vizinhos e os novos. Amigos e conhecidos elogiando-te.
Ontem à noite, sozinha, permiti-me a dor, ao percorrer fotografias de viagens. Impressionante, como algumas retratam grupos em que a maioria dos fotografados já viajou para o plano infinito…
A nossa ligação foi cúmplice e marcante.
Recordo-me de me incitares a enfrentar os meus medos quando era criança.
De acordarmos cedo para irmos para a quinta da Azambuja.
De viajar contigo até Ceuta e Tetouan aos 13 anos. A Benidorm no ano seguinte.
De me deixares treinar a condução a partir dos 14 anos, com o teu Micra.
Lembro-me de, poucos anos depois, me zangar quando deixaste a dentadura no meu copo dos dentes numa das viagens à ex-URSS. Das caminhadas e das subidas às montanhas na Sibéria.
De ir esperar-te ao aeroporto em 2002, eu muito grávida do Vasco. Tu viajando de maca, com o colo do fémur fracturado. Uma viagem em que passaste a maior parte do tempo num hospital. Não saíste com os restantes passageiros. De repente, apercebi-me de uma ambulância que  arrancava da zona de chegadas. Desatei a correr na sua direcção, com aquela barriga grande à frente. Gritei. Consegui dar nas vistas. A ambulância parou. Só te levou para o hospital depois de eu te acarinhar.
Nos dias de Natal, eras tu quem tratava do peru. Eu fazia o bacalhau, a minha mãe o pudim.
Não tiveste filhos. Foste presença constante nos primeiros anos de vida dos meus, como na minha infância.
Agora, suponho que estejas mais próxima de outros espíritos que acompanham a minha história. Sinto-os como se os visse, num relance por cima do ombro.
Estarás sempre presente.

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Não há razão para que os que partem, e que fazem parte de nós, não estejam sempre presentes. Isso acontece comigo (e contigo...).
Filó, minha querida amiga, tem um bom domingo e uma boa semana.
Beijo.

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