Escrevi sobre “Deixei-te o Sorriso em Casa” assim que
descobri a obra do António Santos, há dois anos.
Voltar a escrever sobre uma obra deste autor é um gosto. Mas
é também uma responsabilidade enorme. Sobretudo quando o prefácio do seu novo
livro, “O Contador de Retratos”, é da autoria de Guilherme d' Oliveira Martins,
que tão bem expôs, sem exibir, o seu
estilo e o conteúdo.
A escrita de António Santos é daqueles estilos que dão vontade
de anunciar ao mundo “não estou para ninguém”, instalar-me comodamente no sofá
ou no puff a ler, acompanhada dum bom
tinto e não parar senão no final.
Sempre com um sabor residual no paladar, ávido por mais.
Mais literatura assim.
Que dizer deste novo livro?
Gosto de
tudo. Sobretudo, dos pormenores, que conferem realismo aos quadros que o autor descreve,
como se levasse o leitor pela mão.
Desconcertante,
o primeiro conto. Sobre a imagem de um casal à mesa dum requintado restaurante
parisiense. Cerzindo, em torno dum livro de João Ubaldo Ribeiro, uma teia de
deambulações misteriosas, à qual uma mulher desalmada vem dar essência.
Imaginei-me
num terraço cheio de zingarelhos dados à costa, no segundo conto. O da
fotografia de Dallas, em Novembro de 63.
Tornou-se
inevitável ir procurar no mapa-mundo a localidade onde o coronel se refugiara,
numa casa de madeira com um terraço cheio de velas.
Fabulosa
descrição do ambiente, dos petiscos, num relato que nos fere, certeiro, no
ponto das oportunidades perdidas.
O
terceiro retrato apresenta-nos um militar numa praia do Norte de Moçambique e os
seus fantasmas.
Os
búfalos, as tendas, as mulheres atiçando o fogo. Mais do que um tipo de fogo…
A
promessa dum segredo envolta em fumo. Um ancião preparando uma infusão. Os
macondes preparando-se para uma caçada.
E tudo
sempre ali. Onde tudo sempre fora.
O quarto
retrato é do elegante Palazzo Giustinian, adornado por duas amigas, observadas
por uma máscara dourada. Um recanto com histórias para contar, numa festa de
Carnaval. Um crescendo de sensualidade contagiante. E mais não revelo…
Temos
depois o do homem de charuto na boca, a entrar na Finca Vigia. Um arquivista,
amante de mojitos e de puros, em quem tudo nos espanta.
O sexto
retrato tem a moldura em cristal já partida. E revela um carro que levava um
inspector, que levava investigações, ternura e adiamentos. Culmina numa
velocidade galopante rumo ao desfecho improvável.
Um palacete
sobressai, imune ao nevoeiro denso de Sintra, no sétimo conto. Redondo. Tanto
quanto intrigante. Habitado por lendas e assombrações.
O oitavo
retrato, do major Américo, na praia de Barril, em Tavira, com a sua cana de
pesca, uma alegoria a demonstrar-nos o trabalho dos anjos-da-guarda, por vezes
tão atarefados que nós, mortais ignorantes, nem suspeitamos…
D.
Magnífica e o marido surgem-nos no nono retrato, em primeiro plano, junto à
azenha. Ao fundo, a lupa, empunhada pelo sobrinho. Numa vila com dupla
personalidade (Verão versus Inverno),
tia e sobrinho dedicam-se à arqueologia com o intuito de decifrarem a causa de
morte do tio.
Um
cenário cinematográfico. Aliás, constante ao longo de todo o livro.
O décimo
conto, em torno da imagem dum Carocha
1200 de 1967, apresenta-nos um comentador que não dá conta dos recados pessoais,
um director-geral que dá despacho a assuntos afins e outras cenas que bem
retratam os patetas do panorama nacional. Que os promove, cega e
insistentemente, aos lugares de destaque de que esta sociedade balofa é feita.
A prima
Margarida, quando ainda namorava com um tipo do governo, é a protagonista do
décimo primeiro conto. Retrato duma doutora enquanto pobre na alma. Rodeada de
gente sem dinheiro, rica por dentro. Que a ajuda num dia em que tudo corre mal.
Um dia que termina num acorde perfeito, em Mi menor, duma Gibson Les Paul.
E o resto
é estilo. O característico da escrita do António Santos.
O mistério
insinuante. O humor subtil, inteligente. As frases de rajada. Certeiras. As
expressões que mais ninguém se lembraria de inventar. O drama equilibrando-se
com leveza nas surpresas que o destino nos reserva, insondável. Os jogos de
palavras entrelaçados em silêncios mais que justificados.
Porque há coisas que não se dizem.
8 comentários:
Crescente, a vontade de o ler.
Lídia
Nunca tinha ouvido falar desse autor. vou investigar...
Beijinho para si!
mea culpa, mea culpa... não conhecia o autor. ficou a vontade de o procurar face à tua excelente divulgação.
beijo meu,
Mel
Obrigada pela informação, que terei em conta na próxima incursão nas livrarias.
Um bom final de dia.
Não li.
Mas vou a notar porque me pareceu uma bos sugestão.
Minha querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.
Mais do que um 'contador de retratos' as histórias do livro do António são 'contadoras de vidas' Parabéns pela sua escrita :-)
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