Uma das curiosidades que aprecio na blogosfera é o espírito
que une os bloguistas. Entre leituras, imagens ou desafios, acabamos por ir
desembocar em bloguistas que não conhecíamos, ideias que nos prendem,
iniciativas que nos fazem sentir integrados num espírito que tem tanto de
delicioso como de curioso: o da partilha.
Foi a Maria João, do blogue Pequenos Detalhes, quem me
chamou a integrar este desafio, denominado Acrescenta-se um ponto, e que passo
a explicar e dar seguimento:
1 - O texto, constituído por vinte parágrafos, terá início
no blogue "O Sabor da Palavra" (http://osabordapalavra.blogspot.com),
segundo o seu autor Gonçalo Cardoso.
2 - Cada bloguista terá direito a um parágrafo do texto com
o máximo de cinco linhas. Não é taxativo, tanto pode ser mais ou menos, mas sem
exageros.
3 - Após a realização do parágrafo respectivo, cada
bloguista terá que selecionar outro bloguista que cumpra a continuidade do
texto, segundo as regras mencionadas.
4 - Cada bloguista terá o limite máximo de três dias para
realização do parágrafo, estando sujeito a desclassificação da rubrica e
seleção de novo bloguista por parte do seu autor.
5 - Cada bloguista assinará o seu nome e respectivo blogue na
lista dos participantes.
6 - O último participante ou autor do vigésimo parágrafo,
finalizará o texto e partilhará com o autor do blogue "O Sabor da
Palavra" para a sua divulgação no blogue inicial.
7 - Sejam criativos.
Lista de Participantes:
1 - Gonçalo Cardoso (O Sabor da Palavra)
2 - Buxexinhas (Pedacinhos de mim...)
3 - Karochinha (O Meu Eu)
4 - A Minha Essência (Roupa Prática)
5 - Olívia Palito (Olívia Palito no País das Maravilhas)
6 - L'Enfant Terrible (L'Enfant Terrible Lx)
7 - Utena (Os meus idealismos)
8 - Alexandra Martinho (Ouso Escrever)
9 - AC ( nadadecoisanenhuma)
10 - Poppy (Apontamentos de Luz)
11 - Briseis (do meu pedestal)
12 - Teté (Quiproquó)
13 - Vitor (PreDatado)
14 - Rogério Pereira (Conversa Avinagrada)
15 – Lídia Borges (Searas de Versos )
16 - Maria João Martins ( Pequenos Detalhes )
17 - Filoxera (Escrito a Quente)
18 -
19 -
20 -
E começa assim:
"Já tinha dobrado as duas da manhã. Estava a sair da
emissão de rádio, incomodado com um ouvinte que alegava a minha falta de
isenção jornalística. Segundo ele, apenas dava voz aos ouvintes do sexo
feminino e os temas escolhidos revelavam uma tremenda homofobia. Estapafúrdio,
dizia para mim! Mas para o exterior resolvi o problema com a introdução de uma
música de intervenção social. E assim fechei o programa. Peguei na mala, desci
as escadas em direcção ao parque subterrâneo e ao chegar junto do carro encontrei
um segredo envenenado..."
“No seu vestido vermelho delineado na pele, ela olhava-me
intensamente recostada no capô do meu carro, como um lince que espera a sua
presa. Por momentos o meu coração parou de bater. ‘Voltou…’, pensei
angustiantemente. Fantasmas do passado e segredos escondidos no recanto mais
negro do meu ser… Renascidos da minha cinza. Em passos lentos, dirigi-me a ela.
As palavras silenciosas do seu olhar disseram-me para onde ela me levaria.
Entrámos no carro seguindo para o local temido…”
"...por ambos. Aquela falésia onde, alguns anos antes,
a tragédia se abatera sobre as suas vidas alterou os seus futuros para sempre.
E todos os anos, no mesmo dia, encontravam-se antes do amanhecer, naquela
pedaço de rocha que se erguia sobre o mar, numa esperança vã de expiarem os
seus pecados mais profundos. Chegados ao local, saíram do carro e mais uma vez,
as suas mãos encontraram-se e uniram-se, os seus corpos aproximaram-se e ela
disse-lhe:"
"... Com a voz tremida, sussurrada, gélida, com a
postura hirta e consciente do momento, Amanda começa a debitar desenfreadamente
como tudo aconteceu, naquela fatídica noite... ... "Não tive culpa! Não
tive! Acredita em mim, por favor! Foi um acidente. Foi ele que escorregou da
falésia, ele!" - Sedutora mas ao mesmo tempo frágil, ela sabia exactamente
como emaranhar um homem na sua teia. Sabia exactamente a palavra certa a ser
usada, o gesto proveniente, o olhar mais assertivo para a ocasião. Manhosa,
laça-o num envolvente abraço onde o choro compulsivo é o senhor do momento.
Entre soluços mas, com uma voz doce, repete incessantemente, "não fui eu!
Não fui eu!" - Com o rosto apoiado no peito de Edmundo, via-se claramente
o sorriso dissimulado que fazia. Ele, estava completamente rendido à
fragilidade dela mas, ao contrário do que ela pensava, que o tinha nas suas
mãos, Edmundo, também tinha algo a dizer..."
"... acerca daquela fatídica noite. Edmundo fixou o
olhar na falésia e ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto os braços de
Amanda o envolviam. De repente, ficou tudo absolutamente claro na cabeça de
Edmundo, as peças do puzzle mental começavam a encaixar-se na perfeição.
Lembrou-se da conversa off record que tivera com o inspector da polícia acerca
do relatório da autópsia de Fred. Segundo o mesmo relatório, Fred havia
ingerido uma dose substancial de whisky, confirmando assim o álibi de Amanda,
de que Fred se desequilibrara e caíra daquela falésia. Porém, fez-se luz e um
pormenor fulcral escapara a ambos: ao inspector da polícia e a Amanda, mas não
a Edmundo..."
"...isto porque Fred não bebia whisky, sofria de doença
celíaca, de modo que tudo o que contivesse glúten, o que incluía bebidas feitas
de malte, não lhe passavam pela garganta. Por outro lado a revelação Fred
fizera a Edmundo um dia antes da tragédia era de todo desconcertante, tanto
mais que de dizia respeito aos três, sendo que conteúdo da mesma tivera desde
então um profundo impacto em Edmundo, ao ponto de o mesmo perder parte da sua
imparcialidade jornalística. Ainda assim, envolto no choro soluçado de Amanda,
Edmundo era incapaz de proferir uma palavra, de partilhar com ela o que pensava
porque havia mais um elemento em jogo, uma dúvida perene que o levava a
sentir-se tal como o mar revolto e sem definição que vislumbrava no
horizonte..."
“Não querendo mas ao mesmo tempo sem conseguir parar a maré
das lembranças chegou-lhe à memória aquela noite que hoje lhe dava o
conhecimento do facto de Fred não beber whisky. Fred confessou-lhe num ousado
momento de coragem que se sentia atraído por Edmundo e que isso o deixava sem
saber como agir pois nunca tinha sentido isso por homem nenhum já que sempre
fora um mulherengo por natureza! A convivência dos dois, muito por culpa de
Amanda, o lamber das feridas causadas por esta mulher de escrúpulos nulos tinha
feito com que os sentimentos florescessem em dois homens que mesmo nada
indicando que assim fosse os levou a sentir o que para ambos deveria ser tabu.
Edmundo voltou a realidade com um soluço mais audível de Amanda e quando à
olhava no profundo dos seus olhos verdes deu-se conta…”
"...deu-se conta do quanto aquela mulher já havia
sofrido. Fred horas antes de falecer havia contado a Edmundo que Amanda aos 20
anos se havia submetido a uma cirurgia de retribuição sexual. Sim, Amanda fora
um menino em outros tempos, mas hoje era aquilo a que Fred e Edmundo chamavam
de tentação. Edmundo olhava-a e um misto de sentimentos lhe assolavam a mente,
perdera alguém que lhe era muito próximo, um amigo, mas também, um silencioso
admirador. E ali, diante de seus olhos estava a mulher indefesa e esbelta que
soluçava e por quem ele era estupidamente apaixonado, mas que carregava tão
pesado segredo. Segredo esse que toda a sociedade condenava e condena. Edmundo
perturbado necessita voltar, ir ao encontro do seu pedaço de chão para meditar
e montar todo aquele puzzle confuso. Suplicou-lhe - "Amanda, necessito ir,
vamos?". Amanda para ele olhou, com olhar fugaz, e disse..."
"...És um homem cruel senão me aceitas como sou. E se
assim for sem dúvida que não me mereces.Sou especial, sou única e estou
disponível para te amar, com tudo o que tenho para te oferecer, mas jamais
partilharia a minha vida ou o meu corpo, com quem olhasse para mim com desprezo
ou nojo. Sendo assim cuida-te, olha para ti, observa-te com atenção e vais reparar
em todos os teus defeitos... por agora vou apenas embrulhar-me no teu casaco
sentir o teu cheiro e o teu calor que são presença nele e esperar que tu abras
os olhos e possas ver para além do físico, do estereotipo e do preconceito a
mulher que hoje eu sou...estou aqui, estarei sempre aqui para ti... de braços
abertos...anda, decide-te não tenho o tempo todo..."
"... Mas na cabeça de Edmundo cada vez mais as dúvidas
e as desconfianças se instalaram. Havia demasiadas incongruências em torno
daquela noite e um relatório conivente com o que Amanda lhe dizia mas contrário
ao que conhecia de Fred, este jamais poderia ter bebido Whisky naquela noite.
Não estavam em causa os desejos que nutria por aquela mulher, não se colocava
em questão as mudanças de sexo, o que lhe assolapava as ideias era tão somente
o que teria sido capaz de fazer aquela mulher de escrúpulos nulos, de vermelho
vestida se soubesse do que acontecera entre eles, não foi capaz de lhe dizer
mais nada. Levou-a a casa e naquele momento só uma coisa lhe ocorria, tinha de
estar com o inspector responsável pela investigação..."
"O encontro perturbador, aliado ao adiantado da hora,
tinha um efeito nefasto sobre a sua lucidez. Conduzia como um autómato, a
cabeça longe, muito longe da estrada por onde os olhos passavam. Era de noite,
ainda. Para não enlouquecer durante as longas horas que antecediam a manhã e a
sua oportunidade de falar com o inspector, foi para casa, tomou um banho tão
quente quanto conseguiu tolerar e, ainda com o cabelo a pingar água e a pele a
fumegar vapor, sentou-se a escrever a sua versão dos factos, a sua memória dos
acontecimentos, caso algo lhe acontecesse... Escreveu tudo, longamente, e
concluiu com a revelação do facto mais bem guardado:"
"Fred confessara-lhe o ciúme que sentia de Amanda! Sem
nunca lhe ter revelado, adivinhara a paixão e o desejo que transpareciam nos
seus olhos quando ela aparecia em cena, naquele misto de sedução e de
fragilidade que tanto o cativavam. Parou de escrever. E se...? Não, não era
possível, que o amigo chegasse tão longe... Ele andava perturbado - os credores
avolumavam-se à sua porta! - mas suicidar-se?!? Deixando no ar a suspeita de
Amanda ser a culpada pela sua morte?!? Mas porquê aquelas revelações súbitas e
inesperadas, poucas horas antes daquela fatídica noite? Era um plano macabro
demais para ser verdade..."
"Levantou-se, abriu as janelas de par em par e,
debruçado sobre o parapeito, olhou as estrelas. Voltou para dentro apenas o
tempo suficiente para apagar a luz. Não havia luar e assim o céu ficava mais
bonito. Acendeu um cigarro, deu-lhe duas baforadas e voltou a contemplar as
estrelas. Com Amanda e Fred na cabeça, ia falando consigo próprio. Aos poucos
foi-se descontraindo no fumo do cigarro, na tentativa de ainda se lembrar do
nome das constelações. Aquela é a Ursa Menor, aquela a Cassiopeia, aquela o Cão
Maior. Raios! Porque não se lembrou antes disso? Fez um telefonema para Irina.
Ela costumava ficar com o cão de Fred quando este se ausentava."
"A visita a casa de Irina foi demorada e difícil para
ambos. A conversa parecia não ter nexo, com Irina a tentar explicar o
inexplicável de aquela carta de Fred só passados três anos aparecer. Irina
estendera-lha com mãos nervosas e foi com mãos nervosas que a Armando a
recebera. Despediram-se com o luto nos olhos e sem uma palavra. Na rua e,
depois, pelo caminho leu e releu o texto do sobrescrito cuja letra lhe era
familiar. Em casa, levou um tempo tremendo até vencer o medo e abrir a carta
que lhe era dirigida: Meu querido amigo, quando leres estas linhas já terei
partido. Não vos julgo nem culpo. E a haver culpados culpo a indignidade que me
foi dada por uma vida que já não merece ser vivida. Não há uma só situação a
explicar este meu acto, que muitos considerarão tresloucado. Foi tudo. Foi a
minha incapacidade de vos amar. Foi a minha confusa sexualidade. Foram as
dívidas acumuladas. Foi o desemprego e a incapacidade de encontrar
alternativas. Foi a minha marginalização no partido. Foi tudo isso e
ainda..."
" Fez uma pausa na leitura para macerar uma lágrima
teimosa e acalmar o lamento que se contorcia no seu coração, agora que a tese
do suicídio lhe parecia ganhar consistência.
Pobre Fred! – pensava - Como fora possível ter chegado a tal
estado de desespero sem que ele, seu amigo íntimo, se tivesse apercebido? O
mundo está inquinado de indiferença. O mundo, o mundo... Mas que mundo? As
pessoas são o mundo, o mundo é as pessoas e, cada uma delas, um fragmento fraco
de um todo forte, mas incompreensivelmente ignorado.
Edmundo deixou cair os olhos húmidos sobre a folha de papel
que lhe ficara esquecida nas mãos e continuou a ler:
Foi tudo isso e ainda alguma coisa inominável e paralisante.
Algo que não me permite lutar contra o medo. O medo da solidão, o medo de ver,
de vislumbrar mais uma manhã sem esperança nem projectos…
O longo e estridente “trimmmm” da campainha que subitamente
encheu a casa, fê-lo estremecer. Pousou a carta na estante, entre os livros e
dirigiu-se para a porta sem disfarçar um gesto de desagrado. "
"Ao abrir a porta não conseguiu disfarçar o espanto. “
O Senhor aqui, Inspector Madureira?” - O inspector reparou no semblante cansado
e transtornado daquele homem que lhe franqueava a entrada. “ Bom dia, Edmundo!
Não se assuste, estou aqui no seguimento da investigação da morte de Fred Campos,
ou melhor, do homicídio do seu amigo. Temos razões para acreditar que o senhor,
neste momento, corre risco de vida.” – Edmundo sentiu-se perdido no meio de
tantas dúvidas e revelações. Tudo lhe parecia cada vez mais confuso e surreal.
“ Não, não, inspector! Fred suicidou-se. Tenho aqui a carta que o comprova” – e
dito isto, foi buscar a carta que tinha pousado na estante e que não acabara de
ler. Madureira agarrou nela com curiosidade e leu-a demoradamente. “ Onde
estava esta carta?” – perguntou. Edmundo explicou-lhe como Irina a tinha
encontrado, só agora, deixada por Fred dentro de um livro que ela lhe havia
emprestado. “ Está a ver, Fred queria suicidar-se...” “ Pois queria..."-
anuiu o inspector. "... mas temo que isso não tenha chegado a acontecer,
meu amigo. Há detalhes da investigação que você desconhece e esta carta pode
explicar muita coisa. Venha comigo até à judiciária, vou precisar de si !"
A viagem decorreu entre pensamentos elípticos. Por muito que
a memória desse voltas e mais voltas, estas iam sempre ter a duas questões: o
ciúme de Fred em relação a Edmundo e Amanda e a carta de suicídio. Ou não?...
Se há um momento na vida em que nos censuramos a nós mesmos, o de Edmundo foi
esse preciso momento em que se deu conta que, por muito afeto que nutrisse por
Fred, por muita intimidade que tenham partilhado, Edmundo não conseguia
lembrar-se da caligrafia de Fred ou, sequer, se alguma vez a conhecera. Como
era possível prezar alguém da forma que ele prezara Fred, que fazia com que um
pouco de si tivesse morrido com ele, e não saber, sequer, se alguma vez
conhecera a sua letra? Rapidamente teve de voltar ao presente, pois o velho
Peugeot 306 acabava o seu percurso, junto às instalações da Judiciária.
Passo, agora, o desafio aO Meu Sofá Amarelo, que virá
enriquecer esta trama, adensada pela imaginação de uma série de bloguistas
unidos pela curiosidade e pela imaginação :-)
8 comentários:
A trama adensa-se. Eu cá já disse (e insisto nisso, claramente a influenciar um "sofá amarelo") eu suicidava todos e dava folga ao agente Madureira para de seguida ir investigar crimes de colarinho branco... :))
Aliciante!
Fico ansiosa para ver que voltas dará o "sofã amarelo" a esta intriga enrolada.
Um beijo
Obrigado, Sofia, tentarei continuar a dar a qualidade que este trama merece... o que não vai ser fácil, hehehe... mais uns dias e teremos a prova.
Obrigado. Beijinhosss. Até breveeeeee
Muito bem!
Isto está cada vez mais interessante. Confesso que estava muito curiosa para saber porque ponta lhe pegavas :-)
Mas o mistério continua e daqui para a frente, o inspector terá de desvendar o mistério, ou não...?!
Que volta irá o Alex dar a isto?
Esperar para ver... :-)
Beijinho
A ideia é interessante...
Um abraço grande
Interesante entrada, un placer pasar por tu espacio.
feliz semana.
recibe un saludo.
Estou a aguardar o quase desenlace desta trama :)
Faltam 3 últimos textos! The final countdown muito prometedora!
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