Quantas vezes
dita quando alguém constata ter-se esquecido de algo, nem sempre se referindo
ao nome em si mas, em jeito de piada, “já deve ser o amigo alemão”.
Não acredito
que quem já sentiu a dor do Alzheimer, aquela que mora cá dentro para sempre,
possa sequer pensar em associar um simples lapso ao pesadelo duma demência como
esta e com ela tentar ser engraçado.
Não é uma
memória enfraquecida. Não é a incapacidade de fazer contas. Não é a
desorientação, nem a perda da noção do perigo.
Alzheimer é
uma doença incapacitante, sem cura e que apaga tudo.
Apaga
da mente de quem dele padece a capacidade verbal, a noção do dinheiro e dos
números, a autonomia.
Alzheimer transforma uma pessoa num ser que deixa de reconhecer quem ama, passa a não saber cuidar de si mesmo e termina sem ser sequer capaz
se alimentar e beber, isso é um inferno.
Viver de perto a doença de Alzheimer é
ver um pai, uma mãe, alguém que nos é tudo, pôr a mão num tacho com água ao
lume sem saber do perigo desse gesto, enfiar os dedos numa tomada, guardar
sapatos na gaveta da roupa interior. É olhar nuns olhos que nos deram vida e
ver só ausência. Nem pingo da pessoa que foi. Um modelo que tivemos, convertido
em bebé grande, num corpo que definha e adoece com outras mazelas. São infeções
respiratórias e renais, sucessivas, é o perigo das escaras quando as pernas já
não têm ligação ao cérebro que as comandou, é a incontinência dum organismo que
entrou em colapso.
Alzheimer é
a dor duma doença que deixa os familiares cuidadores ao abandono. Porque os
restantes familiares se afastam “prefiro lembrar-me dele(a) como era..”, porque
as dúvidas são mais que muitas, a angústia sufocante e a revolta infinita. Não
há uma resposta social para quem tem Alzheimer na família, e deixa de haver
apoio emocional para quem quer ter de volta o que já não retorna.
O futuro
torna-se aterrorizador, o presente impossível.
Alzheimer é
um monstro mau, pior que todos os terrores duma infância normal.
É o nosso
sorriso roubado, a vida sem sentido, o luto antes do luto.
(Publiquei
anteriormente alguns posts sobre este tema, que podem ser visualizados ao
clickar na barra lateral direita sobre a etiqueta “Alzheimer”)
3 comentários:
Faço minhas, as tuas palavras, Sofia. Conheço bem de perto esse "Monstro mau", quando vejo o "sorriso roubado" à minha querida mãe.
"Um luto antes do luto"...
A dor de sentir morrer a alma que amamos num corpo que ainda vive.
Um beijo para ti, minha amiga.
É demasiado penoso o outro lado da vida Sofia... por isso, vivamos intensamente todos os bons momentos que a vida ainda nos dá!
Beijo,
AL
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