Doente com 80 anos, passado de neoplasia da mama, AVC, depressão, tonturas e bócio.
Cansaço crescente de há 3 anos aos dias de hoje. Desequilíbrios e tonturas resultantes em quedas, com fracturas e hematomas subdurais, internamentos e drenagem.
Médica de família não dialogante, que não pedia exames, dizendo ser tudo da idade. Doente não acedia à mudança de médica de família porque não (apesar de não confiar).
Análises, em Junho, pedidas por outro médico, particular, a quem a doente recorreu. Pico monoclonal na electroforese das proteínas, com laboratório a sugerir repetição das análises e doseamento das proteínas, nomeadamente de Bence-Jones. Após 3 meses e medicação prescrita pelo mesmo médico, levei à médica de família a sugestão de análises deste e a doente repetiu as análises, mantendo-se o pico mononclonal.
Em consulta com Neurologista, em Setembro, este sugeriu mandar a doente rapidamente à especialidade de hematologia, através da médica de família, pois, não tendo o hospital aquela especialidade, não tinha como encaminhar a doente.
A médica de família disse ter pedido com urgência tal consulta, para o HSFX e “eles lá q façam as análises".
Em Novembro, a doente, cuja marcha foi sendo cada vez mais difícil e passando um tempo progressivamente maior de cama, apresenta tosse, prostração, dores, tonturas, náuseas, vómitos escuros, dificuldade em respirar, um cansaço mais acentuado e confusão mental. Recusa, inicialmente, ir à médica, como tem recusado, nos últimos anos, psicóloga, psiquiatra e avaliação neuropsicológica.
Até que, no dia 4 de Dezembro, vai ao CS e tem a surpresa de a médica de família para quem tudo se devia “à idade” ter ido embora. Uma médica nova prescreve ibatrópio, salbutamol e acetilcisteína.
No dia 18, e persistindo a tosse, as náuseas, vómitos e prostração da doente, com dores abdominais e alguma dificuldade respiratória, volta à consulta. A médica prescreve um macrólido e pede raio x ao tórax e eco abdominal, com urgência. Estes, revelam líquido no abdómen e na pleura, quistos renais e alguns aspectos sem importância.
Os vómitos, de substância escura, persistem, a doente perde peso e cor. A confusão mental é frequente.
Na consulta de dia 26, outra médica a viu e, em resultado dos exames, pediu TAC´s abdominal e torácica e ecocardiograma.
Nestes, mantêm-se os achados dos exames anteriores, descritos em textos longos com mais uma série de referências e indício de hipertensão pulmonar.
No dia 30, a doente parece estar por um fio, após mais vómitos violentos. É levada à urgência, mas, quer pela fraqueza geral, quer pela confusão mental, recusa-se a esperar mais quando, após 4 horas de espera, nem um número amarelo foi chamado para observação.
Estranhando a consulta de urgência para hematologia não ser marcada desde Setembro, a filha da doente contacta a Unidade de Gestão de Serviço e Suporte do Ministério da Saúde, que a informa não haver qualquer consulta pedida. Tenta, então, marcar nova consulta no CS, para pedi-la, após mais de 3 meses desperdiçados na falsa ideia de que estaria.
Passa dias a tentar obter consulta, até conseguir, na passada Segunda. Saltando uma série de situações que fariam zangar qualquer um, resumo: uma terceira médica vê a doente ao fim de horas de espera. Criteriosa, atenta, demora-se, anotando tudo quanto há a ter em conta. Sente que um pico monoclonal não investigado, uma ascite e um derrame pleural, o indício de hipertensão pulmonar, os quistos renais, a debilitação crescente do estado de saúde da doente e consequente perda de peso, apesar do aumento do volume abdominal justificam uma ida directa para a urgência de hospital. “Lá, conseguem fazer todos os exames rapidamente, em vez de a mãe andar a fazer exames e perder-se tempo entre pedidos, realização, relatórios e consultas. Penso até que poderão interná-la”.
Passa uma carta ao serviço de urgência, expondo o historial completo, destacando os factos dos últimos meses e solicitando uma pesquisa.
Na urgência hospitalar, com pulseira amarela, a doente é observada por um médico com sotaque e historial negativo que, falando alto e contrariado, diz que “as coisas não são assim” e que a doente devia continuar a ir ao CS e fazer um exame aqui, outro ali, esperar os resultados e ter paciência, mesmo mal conseguindo andar, debilitando-se e sentindo dores e vómitos constantes. A doente apresenta febre, continua com TA alta, pulso acelerado e são pedidas análises e eco abdominal.
Decorridas mais de 5 horas, a filha tenta saber o porquê de não ser chamada. Continuando a doente na sala de espera, a médica que substituíra o gritante de maus modos, manda-a sentar e repete, com bons modos, que “não é assim que as coisas se fazem”. Imprime e vê os resultados da ecografia (o derrame pleural tornou-se bilateral) e das análises (plaquetas, leucócitos e Proteína C reactiva elevados), pede um minuto, sai do gabinete e regressa meia hora depois, dizendo à filha, que ali esperara sozinha, que ficava pedida consulta de Medicina Interna.
Saímos do hospital após mais de sete horas de termos chegado. Esta médica nunca viu a doente.
Desconheço qual o próximo episódio.